Éramos muitos,
rostos diferentes sob o mesmo céu
antigo,
pés descalços em trilhos paralelos
no barro da criação.
Neandertais moldavam silêncio em
pedra,
Denisovans guardavam segredos nas
montanhas,
pequenos de Flores sonhavam com
oceanos
num mundo sem mapas.
E nós,
apenas mais um nome
nas margens do possível.
Partilhámos fogo,
cruzámos sangue,
aprendemos as palavras uns dos
outros
sem saber que seriam as últimas.
Mas um a um
os outros calaram-se.
Não pela guerra,
nem pelo ódio,
mas pela lentidão das mudanças
e a rapidez dos nossos sonhos.
Ficámos sozinhos,
e o planeta tornou-se espelho.
Tudo o que vemos agora tem a nossa
forma,
até a sombra.
Chamámos-lhe progresso,
mas foi perda.
A memória dos outros
vive nos ossos,
nos genes,
na saudade inexplicável
que às vezes sentimos
de algo que não vivemos
mas perdemos.
Vivemos rodeados de coisas,
mas sozinhos na espécie.
A única humanidade,
sem irmãos.
(Este poema nasce da consciência da
nossa solidão evolutiva enquanto espécie. Durante milhares de anos, não fomos
únicos. Partilhámos o planeta com outras humanidades: Neandertais, Denisovanos,
os pequenos de Flores... todos parentes, todos possíveis espelhos de nós
mesmos. Mas apenas o Homo sapiens permaneceu.
Não celebramos esta sobrevivência
com triunfo, mas com uma memória inquieta. Ficámos sós na fogueira do tempo,
rodeados de vestígios e silêncios. Este poema é uma homenagem aos que
caminharam connosco e deixaram em nós mais do que ossos, deixaram uma ausência
que ainda ressoa.
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