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sexta-feira, 25 de julho de 2025

Sozinhos na Fogueira do Tempo (a solidão evolutiva do Homo sapiens) / J.M.J.

Éramos muitos,

rostos diferentes sob o mesmo céu antigo,

pés descalços em trilhos paralelos

no barro da criação.

 

Neandertais moldavam silêncio em pedra,

Denisovans guardavam segredos nas montanhas,

pequenos de Flores sonhavam com oceanos

num mundo sem mapas.

 

E nós,

apenas mais um nome

nas margens do possível.

 

Partilhámos fogo,

cruzámos sangue,

aprendemos as palavras uns dos outros

sem saber que seriam as últimas.

 

Mas um a um

os outros calaram-se.

 

Não pela guerra,

nem pelo ódio,

mas pela lentidão das mudanças

e a rapidez dos nossos sonhos.

 

Ficámos sozinhos,

e o planeta tornou-se espelho.

Tudo o que vemos agora tem a nossa forma,

até a sombra.

 

Chamámos-lhe progresso,

mas foi perda.

 

A memória dos outros

vive nos ossos,

nos genes,

na saudade inexplicável

que às vezes sentimos

de algo que não vivemos

mas perdemos.

 

Vivemos rodeados de coisas,

mas sozinhos na espécie.

A única humanidade,

sem irmãos.

 

 

(Este poema nasce da consciência da nossa solidão evolutiva enquanto espécie. Durante milhares de anos, não fomos únicos. Partilhámos o planeta com outras humanidades: Neandertais, Denisovanos, os pequenos de Flores... todos parentes, todos possíveis espelhos de nós mesmos. Mas apenas o Homo sapiens permaneceu.

Não celebramos esta sobrevivência com triunfo, mas com uma memória inquieta. Ficámos sós na fogueira do tempo, rodeados de vestígios e silêncios. Este poema é uma homenagem aos que caminharam connosco e deixaram em nós mais do que ossos, deixaram uma ausência que ainda ressoa.

 

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