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sexta-feira, 25 de julho de 2025

Evangelho do Betão e do Lucro / J.M.J.

Querem casais de joelhos,

com aliança e obediência,

num lar sem rendas pagas

nem tempo para as crianças.

 

Pregam a virtude aos domingos,

mas vendem o leite das mães

em fundos de investimento,

e o berço é um número

num ecrã de Wall Street.

 

Prometem o regresso ao sagrado,

mas os filhos crescem nas creches do cansaço,

e os pais são sombras que entram e saem

do turno das seis às seis.

 

Falam da pátria e da tradição,

mas a terra foi hipotecada

e a tradição agora vive num T0

sem varanda nem vizinho.

 

Juram defender a família,

mas cortam-lhe os tendões,

põem-na a correr atrás do pão

sem dar-lhe o chão.

 

E ainda assim,

esperam que ela sorria,

como num anúncio antigo,

de avental engomado

e mesa posta à hora certa.

 

Mas a panela está vazia

e o tempo queimou-se no fogão

do capital.

 

A moral não enche pratos

e o amor, esse amor que exigem puro,

precisa de descanso,

precisa de lume aceso,

precisa de paz

para não morrer no cansaço.

 


(Este poema nasce da necessidade de desmascarar a hipocrisia de quem proclama defender a "família tradicional" enquanto sabota, na prática, as condições mínimas para que qualquer família possa viver com dignidade. É um grito contra a moral de vitrine e o capitalismo que esvazia os lares, esgota os corpos e torna o amor um luxo inalcançável. Não é um manifesto político, é um testemunho humano. Porque não se protege a família com dogmas ou slogans, mas com tempo, pão, casa e ternura.)

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