Querem casais de joelhos,
com aliança e obediência,
num lar sem rendas pagas
nem tempo para as crianças.
Pregam a virtude aos domingos,
mas vendem o leite das mães
em fundos de investimento,
e o berço é um número
num ecrã de Wall Street.
Prometem o regresso ao sagrado,
mas os filhos crescem nas creches do cansaço,
e os pais são sombras que entram e saem
do turno das seis às seis.
Falam da pátria e da tradição,
mas a terra foi hipotecada
e a tradição agora vive num T0
sem varanda nem vizinho.
Juram defender a família,
mas cortam-lhe os tendões,
põem-na a correr atrás do pão
sem dar-lhe o chão.
E ainda assim,
esperam que ela sorria,
como num anúncio antigo,
de avental engomado
e mesa posta à hora certa.
Mas a panela está vazia
e o tempo queimou-se no fogão
do capital.
A moral não enche pratos
e o amor, esse amor que exigem puro,
precisa de descanso,
precisa de lume aceso,
precisa de paz
para não morrer no cansaço.
(Este poema nasce da necessidade de desmascarar a hipocrisia de quem proclama defender a "família tradicional" enquanto sabota, na prática, as condições mínimas para que qualquer família possa viver com dignidade. É um grito contra a moral de vitrine e o capitalismo que esvazia os lares, esgota os corpos e torna o amor um luxo inalcançável. Não é um manifesto político, é um testemunho humano. Porque não se protege a família com dogmas ou slogans, mas com tempo, pão, casa e ternura.)
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