Vejo um homem curvado
a empurrar o mundo numa pá,
vejo uma mulher com as mãos caladas
a limpar o chão que não suja,
e algo em mim estremece
como se o lugar fosse trocado por engano.
Não por pena,
nem por superioridade,
mas por esse fio antigo
que nos costura uns aos outros
sem darmos por isso.
É um murmúrio baixo:
"porque eu aqui, e não ali?"
E a pergunta não quer resposta,
só quer respirar.
Sinto que a vida me chegou
com mais cadeiras do que corpos,
e não sei bem
em qual devo sentar-me.
Não invejo a dor,
mas reconheço nela
qualquer coisa de autêntico,
de inteiro,
como se quem caminha descalço
soubesse mais da terra
do que eu, que olho à distância.
E então calo-me,
porque dizer que compreendo
seria um excesso.
Não me orgulho da leveza,
mas também não me culpo por ela.
Limito-me a olhar
e a escutar a ferida dos outros
como quem aprende
sem direito a nota.
Talvez um dia
esta inquietação sirva para algo.
Talvez a pergunta seja, por si,
uma forma de justiça.
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