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segunda-feira, 28 de julho de 2025

Ao Ver o Outro (poema sobre o peso invisível do privilégio) / J.M.J.

Vejo um homem curvado

a empurrar o mundo numa pá,

vejo uma mulher com as mãos caladas

a limpar o chão que não suja,

e algo em mim estremece

como se o lugar fosse trocado por engano.

 

Não por pena,

nem por superioridade,

mas por esse fio antigo

que nos costura uns aos outros

sem darmos por isso.

 

É um murmúrio baixo:

"porque eu aqui, e não ali?"

E a pergunta não quer resposta,

só quer respirar.

 

Sinto que a vida me chegou

com mais cadeiras do que corpos,

e não sei bem

em qual devo sentar-me.

 

Não invejo a dor,

mas reconheço nela

qualquer coisa de autêntico,

de inteiro,

como se quem caminha descalço

soubesse mais da terra

do que eu, que olho à distância.

 

E então calo-me,

porque dizer que compreendo

seria um excesso.

 

Não me orgulho da leveza,

mas também não me culpo por ela.

Limito-me a olhar

e a escutar a ferida dos outros

como quem aprende

sem direito a nota.

 

Talvez um dia

esta inquietação sirva para algo.

Talvez a pergunta seja, por si,

uma forma de justiça.

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