Vivemos num tempo em que a gratidão, particularmente nas redes sociais, se tornou quase um ritual diário. Hashtags como #grataavida ou #gratoavida se espalham, transformando o ato de agradecer numa performance pública. Para muitos, é uma expressão de reconhecimento pelo dom da vida, pela chance de estar vivo, pela oportunidade de aprender e evoluir. Mas, ao fazer isso, há uma questão que se coloca: será que estamos a agradecer à vida, ou a nossa gratidão se torna mais uma forma de nos isolar no nosso próprio universo, separado da realidade do outro e da coletividade?
O Individualismo nas Redes Sociais
O uso constante da hashtag #grataavida não deixa de
ser um reflexo do tempo em que vivemos, marcado pelo protagonismo do Eu. Nas
redes sociais, o individualismo é uma moeda corrente e a gratidão à vida pode
ser entendida como um símbolo de autocuidado ou de sobrevivência pessoal. Aqui,
a vida é colocada quase como uma entidade externa, algo a que devemos
reverência, algo distante e separado de nós, como se agradecêssemos a um deus
distante.
Contudo, se a vida somos todos nós, não seria mais
apropriado agradecer a essa rede invisível de relações humanas que nos torna
quem somos? A vida não é uma abstração ou uma força divina que devemos adorar,
mas a soma das nossas experiências, interações e vínculos. A verdadeira
gratidão, portanto, deveria refletir essa consciência da interdependência.
A Vida Somos Todos Nós
A vida, como a entendemos, é o entrelaçar de
experiências, coletivas, sociais, culturais e até espirituais. Não somos seres
isolados; existimos dentro de um tecido de relações que nos forma. A gratidão
verdadeira deveria, portanto, englobar o "outro", o coletivo, o que
está além do Eu. Gratidão, nesse contexto, não é uma mera palavra de alívio ou
de autoproteção, mas um reconhecimento da nossa parte nesse imenso ciclo.
Quando nos concentramos apenas no "Eu", podemos perder de vista o que
realmente sustenta nossa existência: o outro.
Quando alguém diz #gratidãopormimepelooutro, não está
apenas agradecendo pela sua própria existência, mas também reconhecendo que sua
vida só faz sentido na medida em que se conecta, se é útil, se participa
ativamente da vida de outrem. A gratidão assim entendida é um exercício de
reconhecimento da rede de afeto, ajuda, colaboração e amor que nos conecta.
A Gratidão Pelo Coletivo: #GratidãoPelaHumanidade
Imagine agora uma nova hashtag, como
#gratidãopelohumano, que reconhece o valor do coletivo e da humanidade como um
todo. Ou ainda, #gratidãopelafamíliaeamigos, um lembrete de que os laços que
estabelecemos com os outros são a verdadeira fonte de nossa força e, portanto,
da nossa gratidão. A vida não é algo que se recebe solitário, mas sim algo que
se compartilha, que se troca, que se alimenta mutuamente.
Quando alguém posta algo como
#gratidãopormimepelooutro, está não só reconhecendo sua própria capacidade de
ser grato, mas também de ser útil, de ajudar, de fazer parte de um todo maior.
O foco deixa de ser unicamente o indivíduo, e passa a ser a relação que existe
entre todos nós, a malha complexa e interligada de seres humanos, experiências
e histórias.
Conclusão: Uma Gratidão Menos Solitária
Em última análise, a gratidão é uma poderosa
ferramenta de transformação. Mas, se a vida somos todos nós, devemos entender
que ela não é algo que recebemos de fora, como uma dádiva isolada, mas que é
construída dia após dia em conjunto, nas interações que temos com os outros. A
verdadeira gratidão, portanto, não é apenas um ato de autoproteção ou de
reconhecimento da nossa própria sobrevivência, mas um gesto que abraça o
coletivo, que compreende que o nosso bem-estar está intrinsecamente ligado ao
bem-estar do outro.
Em vez de colocar a vida num pedestal como algo a que
devemos agradecer num sentido individualista e fechado, talvez a gratidão
verdadeira seja aquela que se expande, que envolve e que reconhece a
interdependência. E se #gratidãopormimepelooutro for o primeiro passo para essa
nova forma de gratidão, estamos no caminho certo.
Conclusão: Viver a Gratidão Através do Outro
Mais do que agradecer à vida como uma abstração ou uma
força externa, a verdadeira gratidão é expressa na ação. A vida, com todas as
suas complexidades e desafios, pede que a vivamos com generosidade, que sejamos
úteis, que nos entreguemos ao outro de maneira sincera. Ao invés de nos
limitarmos a palavras de agradecimento, podemos fazer pela vida dos outros,
oferecendo o nosso tempo, carinho, compreensão e apoio, para que o outro também
se sinta grato, não pela nossa benevolência, mas pela oportunidade de ser
acolhido e reconhecido.
A gratidão verdadeira é um compromisso diário com o
bem-estar do outro. Quando vivemos a vida de forma a gerar mais conexões reais
e profundas, fazemos dela um reflexo daquilo que desejamos ver no mundo:
compaixão, cuidado, solidariedade. Nesse movimento, a gratidão deixa de ser um
gesto isolado e transforma-se numa prática coletiva, onde cada um de nós
contribui para que o outro se sinta verdadeiramente acolhido, e onde a gratidão
não é apenas um sentimento, mas uma ação concreta.
Aí, sim, há uma razão para nos sentirmos GRATOS, nesse gesto de gratidão ativa.
Gratidão por mim e pelo outro
Não sou ilha, nem barco à deriva,
sou margem tocada por outras margens.
Se agradeço, é porque existo no reflexo,
e o reflexo nunca é só meu.
Gratidão por mim:
pelos passos que dei, mesmo os tortos.
Mas mais ainda pelo outro:
pela mão estendida, pelo silêncio que escutou,
pelo rosto que me reconheceu no escuro.
Que a gratidão não seja um espelho,
mas uma ponte.
Teorema da Gratidão (1)
Se a vida fosse um deus,
seria um espelho sem moldura.
Mas a vida não é altar,
é chão onde tropeçamos juntos,
e por isso é sagrada.
Hipótese:
Agradecer à vida é um gesto nobre.
Demonstração:
O gesto torna-se eco se não se abre ao outro.
Prova:
Nenhum agradecimento solitário
constrói uma ponte.
Axioma:
Gratidão não é palavra, é presença.
Corolário:
Quem vive inteiro,
quem oferece o tempo, o pão, o silêncio atento,
já agradece sem o dizer.
Conclusão:
Ser o Todo é o único verdadeiro louvor.
Ser o Todo é viver com tal inteireza
que o outro se sente grato
por também existir.
Teorema da Gratidão (2)
Hipótese:
A gratidão mais pura não se diz, vive-se.
Axioma:
A vida não é um deus externo.
A vida é feita de nós.
Demonstração:
Se agradeço apenas com palavras,
coloco a vida fora de mim,
como se fosse um ídolo distante.
Mas se vivo com presença,
se me dou ao outro com verdade,
torno-me parte do todo,
e o gesto passa a ser gratidão em acto.
O #gratoavida solitário
pode ser um amuleto,
mas não alimenta ninguém.
É no cuidado, no toque, no tempo partilhado,
que a gratidão se encarna.
Contra-exemplo:
Publicar preces à vida
sem cuidar do outro ao lado
é como acender uma vela
num quarto onde ninguém vê a luz.
Corolário:
Quem faz da vida um gesto inteiro,
permite que o outro se sinta vivo,
e nisso, há gratidão verdadeira.
Conclusão:
Mais do que agradecer,
é preciso viver de modo a ser,
em cada gesto,
um espelho do Todo.
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