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domingo, 27 de julho de 2025

O Homem do Estandarte / J.M.J.

Ele veio do cimento,

da geometria dos muros,

e aprendeu cedo que o medo é uma linguagem.

 

Ergueu a voz como quem se ergue do chão,

mas já trazia nos olhos

o plano exato para a sua dinastia.

 

Não queria apenas o poder,

mas que o seu mando fosse imagem,

rebatimento nos olhos dos outros,

um vulto que não se desfaz.

 

Nem sempre sabia moldar a cólera em discurso,

mas vestia a multidão com frases curtas,

ditas como quem escarra certezas.

 

Inventou um inimigo para cada esquina,

e ofereceu à fome

um nome fácil de engolir.

 

Prometeu limpar os corredores

com a fúria do que nunca sujou as mãos

e muitos creram,

e muitos aplaudiram a purga

antes de verem o sangue.

 

Dentro dele, uma torre de pedra fria,

erguida sobre mitos partidos,

um patriotismo apressado,

cego ao que verdadeiramente nos sustenta.

 

Mas as torres não são eternas,

quando têm o ego como cimento.

 

Vieram fendas nas fundações;

primeiro no silêncio dos corredores,

depois nos rostos dos que o seguiam

e por fim, dentro do próprio espelho.

 

As vozes que o elegeram

começaram a soar como reverberações vazias,

o púlpito tornou-se jaula,

o estandarte, peso.

 

Os seus próprios passos

começaram a fazer ruído demais

e o que antes era certeza,

agora tremia entre os dentes.

 

Um a um, os pilares ruíram,

não por ataque,

mas por exaustão da mentira,

por excesso de verniz,

sobre a madeira podre.

 

E ele,

o arquitecto da sua imagem,

o escultor do próprio vulto,

ficou enfim só

com o que restava:

a estátua que ninguém quis erguer.

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