Seguidores

segunda-feira, 28 de julho de 2025

O VENTRE DO MUNDO

Um encontro com o tempo que nos habita,

onde pedras cantam segredos ancestrais

e o sagrado nasce antes da palavra,

antes da cidade, antes do império.

 

Göbekli Tepe é o espelho onde se revela

o pulso original da humanidade,

um templo de silêncio e símbolo,

um ventre onde germina a memória

que esquecemos, mas que nos sustém.

 

 

 

 

 

GÖBEKLI TEPE, O TEMPLO ENTERRADO

 

Antes da semente cair na mão,

já o homem erguia colunas ao céu.

Não havia cidades, nem muralhas,

mas o círculo já pulsava,

coração de pedra,

útero de estrelas.

 

Ali, no sopé do silêncio,

reuniam-se os que não sabiam escrever,

mas já liam o voo dos abutres

e o veneno das serpentes

como oráculos inscritos no corpo da Terra.

 

Mãos calejadas talhavam escorpiões em calcário,

e cada linha era reza,

cada relevo, uma oferenda.

Não se negociava com deuses,

dançava-se com eles.

 

Caçadores, sim,

mas do invisível.

 

Coletores, sim,

de visões,

de presságios,

de símbolos a gravitar entre o céu e o osso.

 

Nada ali servia ao lucro,

nada ao império,

mas tudo ao espanto:

o espanto que une tribos

sem precisar de contratos.

 

E quando veio o tempo de esquecer,

soterraram tudo

com a mesma delicadeza com que o tinham erguido,

como quem fecha os olhos de um moribundo

para que o sonho continue noutro plano.

 

Durante milénios,

dormiu ali o ventre do mundo,

resguardado do aço, da cruz e da bomba.

Dormiu, até que alguém ousou escutar

a vibração das pedras

como quem ouve um tambor debaixo da pele.

 

E agora que regressa à luz,

perguntamos:

quem éramos antes da fome?

quem nos ensinou o sagrado

antes de inventarmos o pecado?

 

Talvez não tenhamos evoluído,

talvez tenhamos esquecido.

 

 

 

 

 

RETORNO AO CÍRCULO 

 

Talvez tenhamos esquecido,

mas o esquecimento é apenas uma camada de terra,

e a memória, uma semente em hibernação.

 

Reerguer o templo não é mover pedra,

é recordar o ritmo

em que o corpo e o cosmos dançam no mesmo compasso,

é escutar o silêncio,

como quem lê a respiração de um animal sagrado

à beira de desaparecer.

 

Porque o templo não acabou,

recolheu-se.

 

Esperou que deixássemos de chamar “progresso”

ao ruído,

“civilização” ao cativeiro,

e “fé” à obediência sem espírito.

 

Esperou

que voltássemos a olhar o céu

sem querer possuí-lo,

e a terra

sem querer vencê-la.

 

Göbekli é um espelho:

não do passado,

mas do possível.

 

Está em ti

quando crias sem pedir licença,

quando rezas sem te dobrares,

quando confias no símbolo

mais do que na instrução.

 

Talvez o templo esteja a nascer de novo

cada vez que um homem rejeita o ouro

para oferecer silêncio.

 

Cada vez que uma mulher

desenha círculos no chão

em vez de fronteiras.

 

Cada vez que alguém

se recorda de que o sagrado

não é aquilo que se constrói,

mas o que se reconhece.

 

 

 

 

 

O CÍRCULO INACABADO 

 

Não é preciso voltar ao princípio

se o princípio ainda vive em espiral dentro de nós.

 

O círculo não acabou,

apenas se quebrou com a pressa das linhas rectas,

com a fome de altura

que esqueceu a profundidade.

 

Göbekli ensinou-nos sem palavras

que há geometrias mais sábias do que o império,

que o centro não é o trono,

mas o vazio partilhado,

onde todos cabem

e ninguém manda.

 

E agora,

com as mãos ainda sujas de passado,

perguntamos

como se constrói um templo que não precise de pedra?

como se dança um ritual

sem o véu da religião?

 

Talvez com gestos simples,

um pão partido sem nome,

um olhar que escuta,

uma criança a riscar espirais na areia

como quem recorda sem saber.

 

Não teremos de repetir a forma,

mas o espírito.

Não há glória em erguer novas colunas

se não soubermos ouvir o vento

que sussurrava entre as antigas.

 

O círculo continuará

não nos livros,

nem nas ruínas,

mas naqueles que ousarem

construir sem conquistar,

lembrar sem doutrina,

amar sem dogmas nem mapas.

 

O templo somos nós

quando deixamos de fugir

do mistério que nos deu origem.

 

 

 

 

 

DEDICATÓRIA

 

A quem escuta a voz da pedra e do silêncio,

a quem ainda dança com o invisível,

aos guardiões do sagrado que não se dobram,

que não se vendem,

mas que permanecem,

no ventre do mundo.

 

A vós, esta ode.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário