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domingo, 27 de julho de 2025

Ruído (poema para um mundo que já não sabe calar-se) / J.M.J.

Agora todos falam.

Todos sabem.

Todos têm certezas prontas

como refeições instantâneas

num micro-ondas de opinião.

 

Já não há silêncio,

há ruído que se veste de discurso.

Gente que nunca escutou nada,

mas já tem frase pronta

para o que não viveu.

 

É permitido tudo.

Humilhar com emojis,

apedrejar com likes,

decretar sentenças com partilhas.

 

Expõem-se feridas alheias

como se fossem reality shows

com direito a voto popular.

 

Hoje, o tribunal é digital

e não precisa de provas:

basta um corte,

um frame,

um título em caixa alta.

 

A multidão ulula.

Vinganças disfarçadas de justiça,

frustrações com perfil de comentador.

 

E quem se cala para pensar

é chamado de cúmplice,

e quem hesita é traidor,

e quem sente

é fraco.

 

Vivemos tempos onde a voz perdeu corpo,

e o corpo perdeu pele.

Tudo se pode dizer

porque tudo se desfaz num segundo,

menos as cicatrizes.

 

E os que se expõem,

os que ousam ser vistos,

são os novos sacrifícios

neste altar de likes e linchamentos.

 

Talvez seja preciso voltar a calar

para aprender a falar.

Talvez seja preciso queimar as certezas

para acender alguma escuta.

 

Porque isto

não é liberdade,

é só gritaria

com um microfone em cada mão

e nenhum coração ligado.

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