Agora todos falam.
Todos sabem.
Todos têm certezas prontas
como refeições instantâneas
num micro-ondas de opinião.
Já não há silêncio,
há ruído que se veste de discurso.
Gente que nunca escutou nada,
mas já tem frase pronta
para o que não viveu.
É permitido tudo.
Humilhar com emojis,
apedrejar com likes,
decretar sentenças com partilhas.
Expõem-se feridas alheias
como se fossem reality shows
com direito a voto popular.
Hoje, o tribunal é digital
e não precisa de provas:
basta um corte,
um frame,
um título em caixa alta.
A multidão ulula.
Vinganças disfarçadas de justiça,
frustrações com perfil de comentador.
E quem se cala para pensar
é chamado de cúmplice,
e quem hesita é traidor,
e quem sente
é fraco.
Vivemos tempos onde a voz perdeu corpo,
e o corpo perdeu pele.
Tudo se pode dizer
porque tudo se desfaz num segundo,
menos as cicatrizes.
E os que se expõem,
os que ousam ser vistos,
são os novos sacrifícios
neste altar de likes e linchamentos.
Talvez seja preciso voltar a calar
para aprender a falar.
Talvez seja preciso queimar as certezas
para acender alguma escuta.
Porque isto
não é liberdade,
é só gritaria
com um microfone em cada mão
e nenhum coração ligado.
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