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terça-feira, 29 de julho de 2025

América, Terra de Nenhuma Promessa

Ainda ecoa o galope no deserto,

um ranger de esporas nas avenidas,

a mão no coldre, o medo no olhar

como se o tempo não tivesse passado.

 

Erguem-se torres, arranha-céus,

mas a alma ficou na taberna poeirenta,

no saloon das glórias manchadas,

onde o herói era quem matava primeiro.

 

As armas já não pendem dos cintos

mas dos direitos, sacrosantos, inquestionáveis,

como se a liberdade tivesse cano e gatilho,

como se viver exigisse estar pronto a matar.

 

Chamam-lhe cultura

mas é uma liturgia de pólvora,

um evangelho de chumbo

onde o próximo é alvo

e o medo, um profeta armado.

 

Os meninos aprendem cedo a mirar,

mas não a escutar,

aprendem a defender-se,

mas não a confiar.

 

E quando a dor explode num prédio,

numa escola, num templo,

o silêncio é mais ensurdecedor

do que os tiros,

porque o silêncio é escolha

e a escolha é sempre continuar.

 

“Mais armas”, gritam.

“Menos leis”, exigem.

Como se não bastasse um planeta ferido

para saber que quem planta morte

ceifa desespero.

 

Mas ali, no velho e novo faroeste,

a justiça não tem rosto,

tem uma mira

e Deus, se chora,

é por ver que ainda o confundem com um rifle.

 

 

(Este poema foi escrito após o tiroteio num prédio de luxo em Nova Iorque, onde quatro pessoas perderam a vida. Segundo as autoridades, o atirador planeava um ataque à sede da NFL, o que levanta uma vez mais a questão da facilidade de acesso a armas nos Estados Unidos.

A América continua a viver sob a sombra longa do seu mito fundador, o do herói armado que resolve tudo a tiro. Esse imaginário do faroeste transformou-se em ideologia, e essa ideologia institucionalizou-se na Segunda Emenda. Hoje, o direito às armas é sustentado por três pilares entrelaçados: o poder político do lobby, o lucro da indústria de armamento e a simbologia nacional que confunde liberdade com violência.

Num país marcado por desigualdades profundas, fraca assistência à saúde mental e culto do individualismo, a proliferação de armas é como lançar gasolina sobre brasas emocionais. Os EUA afirmam defender-se com armas, mas são elas que os destroem por dentro.

Este poema não é um ataque cultural, mas uma elegia crítica a uma nação que ainda confunde Deus com um rifle.)

 

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