Dizem que protegeram as crianças
ao silenciar os nomes do desejo,
da pele,
do corpo que se descobre sem culpa.
Dizem que é ideologia
ensinar o respeito,
falar de consentimento,
nomear o que existe
mesmo quando o ignoram.
Mas o que fizeram foi simples:
devolveram a vergonha ao recreio,
a humilhação à sala de aula,
a violência ao armário.
Apagaram a palavra clítoris
como quem varre poeira para debaixo do crucifixo.
Esqueceram o que é consentir,
como se os corpos das raparigas
fossem propriedade cultural.
Colaram-se ao medo
como se fosse um manual didático.
E deixaram órfãos
os que amam fora da norma,
os que sangram sem saber porquê,
os que tocam o próprio corpo
com culpa aprendida nos intervalos.
Não é neutralidade.
É rendição à ignorância,
à velha moral envernizada de eficiência,
à cegueira que sorri de gravata.
Educação sexual é liberdade com bússola.
Retirá-la
é largar os filhos no mato
com os olhos vendados
e dizer-lhes que a floresta é segura.
Não é.
E quem governa em silêncio
sabe exatamente
o que está a fazer.
(Este poema nasce como resposta à decisão do governo
português de eliminar a disciplina de Educação Sexual das escolas, sob o
pretexto de “reorganização curricular”. Mas por detrás da neutralidade
administrativa, esconde-se uma cedência ao moralismo conservador, um passo
atrás que compromete décadas de avanços na promoção da saúde, do respeito, da
diversidade e do combate à violência de género.
Educar para o corpo, o afeto e o consentimento não é
ideologia, é prevenção, é liberdade, é justiça. Retirar essa bússola às novas
gerações é escolher o obscurantismo.
Escrevo, por isso, com raiva lúcida e ternura
vigilante. Porque um país que apaga o conhecimento, prepara-se para aceitar o
abuso.)
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