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domingo, 27 de julho de 2025

Educação Sexual Expirada / J.M.J.

Dizem que protegeram as crianças

ao silenciar os nomes do desejo,

da pele,

do corpo que se descobre sem culpa.

 

Dizem que é ideologia

ensinar o respeito,

falar de consentimento,

nomear o que existe

mesmo quando o ignoram.

 

Mas o que fizeram foi simples:

devolveram a vergonha ao recreio,

a humilhação à sala de aula,

a violência ao armário.

 

Apagaram a palavra clítoris

como quem varre poeira para debaixo do crucifixo.

Esqueceram o que é consentir,

como se os corpos das raparigas

fossem propriedade cultural.

 

Colaram-se ao medo

como se fosse um manual didático.

E deixaram órfãos

os que amam fora da norma,

os que sangram sem saber porquê,

os que tocam o próprio corpo

com culpa aprendida nos intervalos.

 

Não é neutralidade.

É rendição à ignorância,

à velha moral envernizada de eficiência,

à cegueira que sorri de gravata.

 

Educação sexual é liberdade com bússola.

Retirá-la

é largar os filhos no mato

com os olhos vendados

e dizer-lhes que a floresta é segura.

 

Não é.

 

E quem governa em silêncio

sabe exatamente

o que está a fazer.

 

 

(Este poema nasce como resposta à decisão do governo português de eliminar a disciplina de Educação Sexual das escolas, sob o pretexto de “reorganização curricular”. Mas por detrás da neutralidade administrativa, esconde-se uma cedência ao moralismo conservador, um passo atrás que compromete décadas de avanços na promoção da saúde, do respeito, da diversidade e do combate à violência de género.

Educar para o corpo, o afeto e o consentimento não é ideologia, é prevenção, é liberdade, é justiça. Retirar essa bússola às novas gerações é escolher o obscurantismo.

Escrevo, por isso, com raiva lúcida e ternura vigilante. Porque um país que apaga o conhecimento, prepara-se para aceitar o abuso.)

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