No fundo da lama,
onde o sol não chega
e o silêncio tem peso,
vive o princípio
de uma revelação sem nome.
Não há pulmões,
não há luz,
apenas o sussurro dos elétrons
saltando de célula em célula
como preces invisíveis
no altar da matéria.
Uma bactéria respira energia.
Não ar,
não água,
mas puro movimento
de carga e ausência,
como se a vida, afinal,
fosse um circuito sagrado
ligando pó a estrela.
Nada nela é acaso:
cada filamento
é uma veia do cosmos,
cada troca,
um pacto antigo entre o ser e o não-ser.
Respira o que não se vê,
vive do que vibra
e lembra-nos,
no seu silêncio pré-histórico,
que tudo pulsa,
mesmo a pedra,
que tudo comunica,
mesmo o abismo
e que tudo vive,
mesmo o que julgávamos morto.
Talvez Deus
não seja uma figura,
mas uma corrente,
não um trono,
mas uma rede.
E nós,
cada um,
um ponto breve de ligação,
um fio em tensão,
um relâmpago em forma de alma
a buscar sentido
na dança elétrica do todo.
Respira,
e escuta:
a vida é luz em trânsito
entre dois mistérios.
(A inspiração para este poema nasceu da descoberta recente de bactérias
capazes de “respirar” eletricidade, organismos que, mesmo em ambientes sem
oxigénio, mantêm a vida através da troca direta de elétrons com o meio.
Essa realidade invisível, que para muitos parecerá apenas curiosidade
científica, revelou-se para mim como símbolo sagrado.
Estas bactérias não sobrevivem apenas, conectam. Tornam-se parte de uma
corrente maior, de um circuito misterioso que parece ultrapassar o biológico e
tocar o espiritual.
Neste poema, a ciência encontra-se com a revelação: e se a vida for, no
fundo, uma grande rede elétrica divina, onde tudo vibra, tudo comunica, tudo
vive?
Aqui, a fé não nasce do dogma, mas da observação poética do real.
E talvez Deus, ou o que ainda não conseguimos nomear, seja menos uma
entidade separada e mais uma energia difusa, viva em cada átomo, em cada fio de
tensão entre dois silêncios.)
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