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quinta-feira, 31 de julho de 2025

Rede Divina (inspirado nas bactérias que respiram eletricidade) / J.M.J.

No fundo da lama,

onde o sol não chega

e o silêncio tem peso,

vive o princípio

de uma revelação sem nome.

 

Não há pulmões,

não há luz,

apenas o sussurro dos elétrons

saltando de célula em célula

como preces invisíveis

no altar da matéria.

 

Uma bactéria respira energia.

Não ar,

não água,

mas puro movimento

de carga e ausência,

como se a vida, afinal,

fosse um circuito sagrado

ligando pó a estrela.

 

Nada nela é acaso:

cada filamento

é uma veia do cosmos,

cada troca,

um pacto antigo entre o ser e o não-ser.

 

Respira o que não se vê,

vive do que vibra

e lembra-nos,

no seu silêncio pré-histórico,

que tudo pulsa,

mesmo a pedra,

que tudo comunica,

mesmo o abismo

e que tudo vive,

mesmo o que julgávamos morto.

 

Talvez Deus

não seja uma figura,

mas uma corrente,

não um trono,

mas uma rede.

E nós,

cada um,

um ponto breve de ligação,

um fio em tensão,

um relâmpago em forma de alma

a buscar sentido

na dança elétrica do todo.

 

Respira,

e escuta:

a vida é luz em trânsito

entre dois mistérios.

 

 

(A inspiração para este poema nasceu da descoberta recente de bactérias capazes de “respirar” eletricidade, organismos que, mesmo em ambientes sem oxigénio, mantêm a vida através da troca direta de elétrons com o meio.

Essa realidade invisível, que para muitos parecerá apenas curiosidade científica, revelou-se para mim como símbolo sagrado.

Estas bactérias não sobrevivem apenas, conectam. Tornam-se parte de uma corrente maior, de um circuito misterioso que parece ultrapassar o biológico e tocar o espiritual.

Neste poema, a ciência encontra-se com a revelação: e se a vida for, no fundo, uma grande rede elétrica divina, onde tudo vibra, tudo comunica, tudo vive?

Aqui, a fé não nasce do dogma, mas da observação poética do real.

E talvez Deus, ou o que ainda não conseguimos nomear, seja menos uma entidade separada e mais uma energia difusa, viva em cada átomo, em cada fio de tensão entre dois silêncios.)

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