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domingo, 27 de julho de 2025

Canto do Céu / J.M.J.

Somos poeira,

num fio de sombra a girar no escuro,

neste grão suspenso chamado Terra,

perdido numa galáxia

entre bilhões de outras.

 

Ainda assim,

erguemos bandeiras sobre a epiderme do mundo,

traçamos linhas em mapas frágeis

como se o chão nos pertencesse.

 

Medimos valor em muros, em algarismos,

em nomes escritos no alto de prédios

que o tempo apagará

como o vento apaga passos na areia.

 

Ignoramos o silêncio das estrelas,

a vastidão que grita:

nada é teu.

Nem o corpo,

nem o agora.

 

E enquanto brigamos por utopias ocas,

há mundos nascendo em distâncias impossíveis,

galáxias se espreguiçando

no ventre do que ainda não é.

 

Mas aqui, neste canto do céu,

nos foi dado o dom de criar,

de oferecer renovação onde havia ruína,

de acender lume onde o frio reina.

 

Se há algo que vale,

não é o que tomamos;

é a entrega,

a semente,

o poema.

 

Não temos muito tempo,

mas temos tempo o bastante

para escolher:

se faremos do efémero

um paraíso partilhado,

ou um inferno

feito do supérfluo.

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