Vestiu os sete brilhos do alto,
corou os olhos com fogo,
e partiu.
Sabia que a luz não é plena,
sem conhecer a boca da sombra.
No portão do mundo esquecido,
uma voz murmurou:
"Para entrares,
deixa o que pensas ser."
Primeiro, a coroa;
depois, os brincos,
o colar,
o cetro,
a túnica,
a voz,
e, por fim, o nome.
Despiu-se da divindade
até restar apenas o pulso da alma,
nu, palpitante,
perante a irmã esquecida,
aquela que chora
o que todos escondem.
E morreu.
Não no corpo,
mas na imagem de si.
Durante três dias,
o tempo não respirou.
O trigo secou no sonho,
e os poços não responderam.
Até que, da lama,
brotaram dois sussurros
sem forma nem fronteira,
que desceram sem armas
e curaram, sem palavras,
a dor da guardiã.
Foi-lhes concedido o corpo pendido,
e Inanna ergueu-se,
não como deusa,
mas como terra tocada pela noite.
Ao regressar,
viu o trono ocupado,
o amor ausente,
o ego no altar.
E soube:
quem desce e volta
não volta igual,
nem tolera o que antes chamava lar.
Ofereceu o amante em troca,
não por vingança,
mas para ensinar-lhe o ciclo:
metade da vida, luz;
metade, mergulho.
Desde então,
as estações dançam.
O corpo recorda,
o espírito curva-se,
não por fraqueza,
mas por reverência à transformação.
E Inanna,
em cada mulher que cai
sem deixar de ver,
em cada homem que larga o poder
para tocar o ventre do real,
desce e regressa,
sempre.
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