No éter do tempo,
onde as estrelas estavam presas à vontade de um Deus silenciado,
havia o corpo feminino, escondido nas margens da história.
O vento, que não tocava sua pele, sussurrava nas cavernas da criação,
onde a mulher era sombra e espelho,
mas nunca o reflexo que as águas desejavam ver.
Ela era feita de barro, não para ser escutada,
mas para carregar as âncoras de um destino não escolhido,
onde o sangue que brotava era pago em silêncio,
e o ventre, palco de promessas que o céu não ousava quebrar.
Na aurora do povo, ela era a terra dos despojos,
onde a palavra de um Deus se tornava lei,
e a carne que gerava vida era tratada como uma moeda,
para que os filhos se multiplicassem,
não para amar, mas para cumprir.
Onde a luz de uma estrela feminina jamais cintilava sem o toque do punho,
onde o grito de uma mulher não encontrava eco nos pórticos dourados,
o coração dela se tornava um espelho quebrado,
e o olhar de Deus, sempre distante, não via sua dor.
Na festa dos tempos,
quando o homem era deus sobre o homem,
a mulher era apenas um vestígio do pecado da criação,
um corpo que servia à edificação dos templos,
mas nunca à construção de um mundo de luz.
E as leis do Senhor, gravadas em pedra e sangue,
não tocavam o tecido frágil da alma feminina,
mas ordenavam a subordinação,
onde o desejo dela se dissolvia nas águas de um rio sem margens.
Na casa onde o amor se tornava comando,
o rosto dela se tornava sombra.
Seus lábios, quando falavam, eram palavras que o vento não ouvia,
e seu corpo, desejado e condenado, não era de sua posse.
Oh, divindade que fundaste o céu e a terra,
onde está o eco do riso da mulher que criaste?
Onde está o rosto da mãe que é mais que a carne que dá vida,
onde está o poder da flor que cresce sem pedir permissão?
Os livros sagrados falam de Ti, mas não falam dela.
Na memória dos homens, ela é apenas uma cicatriz,
um vestígio do que poderia ter sido liberdade,
mas se perdeu nas orações de um Deus que nunca ouviu.
E quem ousará libertar as correntes que a prenderam,
se a própria divindade não viu seu grito,
se a palavra sagrada se fez espada contra ela,
não para salvá-la, mas para silenciá-la,
para que seu ser se desfizesse na areia do esquecimento?
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