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terça-feira, 8 de julho de 2025

Não Sou Só Ventre / J.M.J.

Não sou só ventre,

nem berço,

nem canto doce à cabeceira.

 

Sou também

o pânico da madrugada,

o silêncio quando ninguém responde,

a porta que não sei abrir.

 

Houve um dia

em que o corpo disse sim

antes da alma estar pronta

e outro em que a alma quis

mas o mundo disse não.

 

Fui mulher antes de ser mãe

e às vezes nem isso consegui.

Tive medo,

não de amar,

mas de não saber como.

 

Disseram-me que toda a mãe ama.

Mentiram

ou esqueceram as que amam em segredo,

as que se afastam para proteger,

as que deixam porque não têm

o que dar;

 

na roda do convento,

no cesto do hospital,

no escuro de um beco,

deixei um nome sem nome,

um grito sem voz,

uma esperança sem morada.

 

E rezo,

não a um deus,

mas a quem o acolha.

 

Se alguém o chamar filho

com verdade,

se o olhar como eu sonhei e não pude,

então talvez, um dia,

ele me perdoe

por não ter ficado.

 

 

(Dedicado às mulheres

que não conseguiram ser mães como sonharam.

Que foram vencidas pelo medo,

pela solidão ou pela ausência de chão.

Que carregam em silêncio o arrependimento

e o trauma de não terem ficado.

Que o tempo as abrace, sem julgamento.)

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