Querem famílias alinhadas
como fotografias antigas,
onde ninguém pisava o risco
e a vergonha fazia de moldura.
Falam de valores,
mas o valor é o que sobra
depois da conta paga
e da dignidade parcelada.
Inventam raízes
onde só há cimento
e nostalgia fabricada em série.
Chamam lar ao lugar
onde o afeto não pode gritar,
onde o toque se mede
pela regra
não pelo cuidado.
Ditam normas com palavras herdadas,
esquecendo que amor não cabe em decreto,
nem a infância em código postal.
Querem filhos bem-comportados,
pais obedientes,
mães devotas,
mas não pagam creches,
nem tempo,
nem alma.
E gritam família
como se fosse espada,
como se amar fosse guerra
contra o que é diferente.
Mas a família real
não mora nos cartazes,
mas sim no cansaço de quem resiste,
na mesa improvisada,
na avó que cuida,
na irmã que alimenta,
no pai que chora escondido.
Não há tradição sem verdade,
não há moral onde há medo.
E o que querem preservar
já ardeu,
no silêncio
das cozinhas frias
onde se mastiga a vergonha
com arroz de ontem
e promessas de anteontem.
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