Chamam-me contribuinte,
mas nunca me perguntaram se queria.
Arrancam-me o tempo, os ossos,
as horas em filas,
os dias em papéis que não entendo.
Cubro buracos que não cavei,
pago guerras que não declarei,
financio palácios
onde a minha voz nunca entra.
O meu suor serve estatísticas,
o meu nome é número,
a minha queixa é ruído
num sistema com ouvidos de pedra.
Dizem que é dever,
mas o dever deles mora
em offshores
com vista para o silêncio.
Chamam-me contribuinte
como quem me batiza com ferro quente,
mas eu sou mais que isso:
sou o que sobra
depois que me levam tudo
e ainda fico de pé
a pagar o fogo que me consome.
João Marques Jacinto
(Este poema nasce da provocação de Millôr
Fernandes, "Arrancam-me tudo à força e depois chamam-me
contribuinte." e transforma a ironia em lamento e resistência.
Não é apenas uma crítica fiscal, mas um grito
existencial de quem sustenta o edifício social e político, sem nunca ser ouvido
nos andares de cima.
É dedicado a todos os que pagam com o corpo, o tempo e
o silêncio e ainda assim permanecem de pé.)
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