Seguidores

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Contribuinte (inspirado em Millôr Fernandes) / J.M.J.

Chamam-me contribuinte,

mas nunca me perguntaram se queria.

Arrancam-me o tempo, os ossos,

as horas em filas,

os dias em papéis que não entendo.

 

Cubro buracos que não cavei,

pago guerras que não declarei,

financio palácios

onde a minha voz nunca entra.

 

O meu suor serve estatísticas,

o meu nome é número,

a minha queixa é ruído

num sistema com ouvidos de pedra.

 

Dizem que é dever,

mas o dever deles mora

em offshores

com vista para o silêncio.

 

Chamam-me contribuinte

como quem me batiza com ferro quente,

mas eu sou mais que isso:

sou o que sobra

depois que me levam tudo

e ainda fico de pé

a pagar o fogo que me consome.

 

 

João Marques Jacinto

 

(Este poema nasce da provocação de Millôr Fernandes,  "Arrancam-me tudo à força e depois chamam-me contribuinte." e transforma a ironia em lamento e resistência.

Não é apenas uma crítica fiscal, mas um grito existencial de quem sustenta o edifício social e político, sem nunca ser ouvido nos andares de cima.

É dedicado a todos os que pagam com o corpo, o tempo e o silêncio e ainda assim permanecem de pé.)

Sem comentários:

Enviar um comentário