1. Poema-seiva — a vibração que atravessa sem aviso
2. Alento — a vibração que ergue sem peso
3. Raiz sem nome — a vibração que sustém desde o fundo
4. Memória de água — a vibração que dissolve e envolve
5. Dentro do silêncio — a vibração que reflete e escuta
Há palavras que não dizem, escutam.
Há poemas que não se leem, respiram contigo.
Poema-seiva
Há palavras que não se dizem,
escorrem.
Ficam suspensas no antes da boca,
nos interstícios do sangue,
onde o silêncio arde.
Tu lês
e não sabes porquê,
uma célula tua se abre,
como se um nome antigo tivesse sido
lembrado
sem ter sido dito.
O poema não fala,
o poema pulsa,
rente à pele do osso,
na dobra onde o mundo se forma
antes de ser mundo.
E se fere,
é para curar a parte em ti
que já estava a ouvir
muito antes de leres.
Alento
Há um sopro que sobe em ti,
sem que o invoques.
Nasce no lugar onde o medo
já não tem forma,
apenas calor.
É leve, mas firme,
como quem não empurra:
convida.
Passa entre as vértebras
como canto sem som,
abrindo espaço
a um corpo que já era,
mas não sabia que podia ser.
E quando te levanta,
não é para que fujas da terra,
é para que vejas
que sempre tiveste asas
e não tinhas dado por isso.
Raiz sem nome
Há um peso que não dói
mas puxa.
Não vem de fora,
nem de cima,
vem de onde nasceste
antes de nascer.
Um lugar sem claridade
mas onde tudo germina.
Ali,
não há pressa,
nem ruído,
apenas um compasso
mais antigo que o tempo.
E quando escutas,
não ouves palavras,
ouves matéria.
É ali que o poema começa:
não na escrita,
mas na escavação
e cada verso
é uma pá de silêncio
a abrir caminho
até à seiva
que nunca mentiu.
Memória de água
O que te atravessa
não tem margens.
Chega sem forma
e molda-se ao teu dentro,
como quem já te conhece
desde o primeiro mergulho.
Não pressiona,
Circunda,
não impõe,
insinua.
Desce por dentro
das tuas certezas secas
e desfaz os contornos
com a paciência dos rios.
Tu lês
e não sabes onde começa o poema
e onde terminas tu.
Mas sentes
que foste lavado
por uma lembrança
que não sabias ter.
E que agora,
há qualquer coisa em ti
a respirar com mais largura.
Dentro do silêncio
Há um lume que não aquece,
mas ilumina.
Não brilha para fora,
abre frestas por dentro.
Move-se como sombra doce
na parede do sono,
sussurrando gestos
que ainda não têm nome.
Não diz o que fazer,
faz-te ouvir
o que já sabias.
E se o poema se esconde,
não é para te afastar,
é para que te aproximes
com o cuidado,
que só se tem
por aquilo que se ama
sem saber porquê.
Lê devagar.
Alguma coisa em ti
está a escutar-se
pela primeira vez.
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