Houve um tempo em que o ar parecia mais denso,
as horas, mais compridas que o corpo,
as noites, povoadas de vozes que não se calavam
e tudo parecia inclinar-se para dentro,
como se o mundo inteiro respirasse com dificuldade.
Nesse tempo, alguém caminhava
com os ombros pesados de silêncio,
mas com a lucidez de quem sabe
que há dores que não se curam, apenas se atravessam.
E esse alguém atravessou.
Fez-se vigia de memórias,
zelador de raízes partidas,
guardião de laços invisíveis.
Não fugiu à vertigem de sentir,
não recusou a tarefa de cuidar
e mesmo sem garantias, permaneceu,
mesmo sem retorno, amou.
Se agora lês estas palavras,
é porque o tempo já passou,
a tempestade baixou,
ou talvez o olhar se tenha habituado à sua dança.
O que importa é que o coração que resistiu
não se perdeu.
Ficou este rasto,
não para ensinar,
mas para lembrar:
há vidas que são faróis,
não pela luz que projetam,
mas pelo modo como ardem.
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