Eles construíram muros,
ergueram cidades de pedra sobre os ossos das mães,
inventaram deuses com barba e espada
para esconder a face da Deusa.
Chamaram fraca
àquela que sustém o mundo com sangue e silêncio,
chamaram histérica
àquela que sente as marés antes que o mar se levante
e chamaram impura
àquela que guarda a chave da renovação.
Mas o que temiam
não era o corpo, nem o riso, nem o ventre,
era o caos sagrado,
era o modo como ela morre e renasce
sem pedir licença ao tempo,
era o modo como os seus olhos
vêem o que os homens tentaram esquecer.
Temeram o ventre,
porque ele é o abismo onde o controlo se desfaz,
temeram o sangue,
porque ele diz a verdade que os livros rasgaram,
e temeram a voz,
porque ela não fala, convoca.
Eles quiseram fazer dela propriedade;
criaram leis, dogmas, cercas, véus,
ditaram-lhe o lugar:
ao lado, atrás, abaixo,
mas nunca no centro.
E no entanto,
ela foi sempre o centro,
mesmo quando exilada,
mesmo queimada,
mesmo silenciada nos arquivos da história.
Ela está no desabrochar da primeira flor
e no último sopro de uma mãe que parte,
ela vive na medula dos mitos esquecidos,
nas sacerdotisas que o fogo não apagou,
nas palavras que ardem por dentro
sem ainda terem sido ditas.
Não é a mulher que volta,
é o mundo que se lembra.
E desta vez,
não virá com espadas,
mas com raízes,
com olhos que atravessam as máscaras,
com mãos que sabem tecer futuro,
com úteros que guardam trovões.
Eles tiveram medo,
porque ela é o que não se doma,
porque nela mora Deus,
não como rei,
mas como mistério.
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