— Por que tremes diante do abismo,
se foste tu quem o invocou?
— Porque agora vejo que tem olhos,
e dentro deles, o reflexo da minha fome.
Foste tu quem pediu o saber,
quem tocou o fogo antes da chama.
Mas não sabia que o saber rasga,
que a luz cega
e que a verdade fere como lâmina sem nome.
Quiseste o céu aberto,
mas não quiseste os ossos partidos,
quiseste o verbo,
mas não a ferida de quem o pronuncia.
— Então este é o preço?
— Este é o caminho
e a queda não é castigo,
é travessia;
é na ruptura que o espírito emerge,
é no chão que nasce o templo.
— E se eu não me levantar?
— Então renasces mais fundo,
pois há raízes que só a dor faz crescer
e a asa que rasga a carne
é a mesma que atravessa mundos.
Não sou mais o mesmo.
— Nunca foste,
a queda apenas despiu
aquilo que julgavas ser.
(Todos, em algum momento, enfrentamos uma queda.
Uma perda, uma ruptura, uma travessia inesperada que nos desmonta. Mas e se
a queda não for um castigo… mas um chamamento?
Este poema é um mergulho nesse momento-limiar:
o instante em que o chão desaparece e somos confrontados com quem realmente
somos, despidos das máscaras.
A queda revela. A queda desce… para que algo mais fundo possa nascer.
Que estas palavras ajudem a ressignificar o abismo.
Porque há asas que só se abrem depois da vertigem.)
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