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quinta-feira, 31 de julho de 2025

Saturno (tempo em forma de espiral)

Ele não gira,

orbita a memória.

Cada anel é uma cicatriz circular,

um eco da matéria perdida,

um relógio sem ponteiros

feito de gelo e silêncio.

 

Saturno não brilha,

mas atrai.

Com a paciência dos que sabem esperar,

drena as perguntas do universo

e enrola-as à sua volta

como véus de um deus esquecido.

 

Longe demais para ser amado,

perto o suficiente

para ser temido.

 

Na sua presença,

os sonhos tornam-se longos

e as certezas, pó.

 

Quantos séculos há no seu passo?

Quantos olhos falharam o instante

em que ele disse tudo

sem dizer nada?

 

Saturno ensina-nos

a cair com elegância,

a envelhecer em órbita,

a aceitar o peso

daquilo que não se pode mudar.

 

Não é cruel,

é só justo.

Buracos Negros (o coração oculto do ser) / J.M.J.

No silêncio sem fim do cosmos,

onde a luz se curva e se perde,

habita o buraco negro,

guardiã do mistério absoluto.

 

Não há saída, nem retorno,

apenas o abraço invisível

de um abismo que engole o tempo,

um vazio que é mais do que nada.

 

No seu silêncio, ecoam perguntas:

quem somos quando tudo se desfaz?

Que matéria escura guarda a alma?

Que segredo carrega o escuro infinito?

 

Talvez sejamos partículas e ondas,

um campo entrelaçado de energia e sombra,

buscando sentido onde não há brilho,

descobrindo-nos na ausência de luz.

 

O buraco negro não é morte,

é um portal para o desconhecido,

uma ferida no tecido do ser,

que nos convida a mergulhar,

sem medo, sem retorno,

para renascer do caos oculto.

 

O Paradoxo da Luz (entre a partícula e a onda, entre saber e crer) / J.M.J.

Não sabes se chega

ou se se espalha,

se te toca

ou atravessa.

 

Luz,

a coisa mais certa

é também o enigma.

 

Dizem que é partícula,

dizem que é onda,

dizem,

mas não a contêm.

 

Cai sobre ti sem esforço,

e mesmo assim

pode viajar mil anos

sem encontrar um rosto.

 

Acompanha-te

na leitura de um poema

ou na morte de uma estrela.

É a mesma,

e nunca igual.

 

Quando olhas para ela,

ela muda,

como tudo o que se observa de verdade,

como a fé,

como o amor,

como o tempo.

 

A luz

não se deixa aprisionar;

não cabe num nome,

não cabe num tubo.

 

É o grito inicial

e o silêncio final,

a primeira testemunha

e o último véu.

 

E mesmo assim,

mesmo sem compreendê-la,

acendemos velas,

mesmo na dúvida,

abrimos janelas.

 

Porque talvez a verdade

seja isso:

não um feixe,

mas o paradoxo

que ilumina.

A Dança das Marés (metáfora da influência invisível) / J.M.J.

Ela não empurra,

não prende,

não grita,

mas move oceanos.

 

A Lua,

ausência brilhante,

tem a força de quem apenas está

e tudo transforma.

 

As marés não discutem,

levantam-se e curvam-se,

baixam a cabeça em obediência líquida.

 

É o amor sem toque,

a presença que basta,

o vínculo que não se vê

mas arrasta continentes,

faz tremer os recifes

e enche o ventre dos peixes.

 

No seu silêncio,

a Lua segura o ritmo do planeta,

como uma mãe que embala o berço

sem que o filho perceba

que poderia cair.

 

Também nós somos marés,

subimos e descemos ao sabor de forças

que não compreendemos.

Chamamos destino,

chamamos saudade,

chamamos loucura.

 

Mas é a mesma dança,

o mesmo fio invisível

que nos levanta

e nos devolve ao fundo.

O Silêncio de Júpiter (onde os trovões não encontram eco) / J.M.J.

Nenhum pé jamais pisará

no ventre do colosso gasoso.

Júpiter não tem chão,

só camadas de tempestade,

trovões que rugem para ninguém.

 

É rei sem trono fixo,

peso sem matéria,

um império de ventos

que gira sobre si próprio

à velocidade da vertigem.

 

Os seus olhos,

a Grande Mancha Vermelha,

observam há séculos

sem pestanejar,

sem compreender

nem serem compreendidos.

 

Lá dentro, talvez haja um núcleo,

denso como a origem do tempo,

ou talvez não,

talvez seja só vazio concentrado,

um truque antigo dos deuses

para nos lembrar que nem tudo o que é grande

é acessível,

nem tudo o que é belo

quer ser tocado.

 

Júpiter, o surdo,

o mudo,

o intocável.

Dele recebemos o escudo,

a gravidade que nos protege

dos errantes do espaço.

 

E nunca agradecemos.

 

Mas ele escuta, talvez,

na linguagem do campo magnético,

os sussurros

da nossa fragilidade.

Três Corpos (cosmologia do impossível) / J.M.J.

Nenhum deus governa este triângulo,

onde três corpos se atraem

e nunca repousam.

Cada um gravita, sonha, desvia,

um instante de harmonia

e logo, o abismo.

 

Não há órbita segura,

nem destino fixo,

só o eterno quase,

o quase equilíbrio,

o quase queda,

o quase paz.

 

O problema não é a força,

mas a liberdade,

o excesso de escolha,

o número incalculável

de futuros.

 

E assim gira o cosmos,

sem mapa, sem maestro,

apenas corpos

que se seguem,

se perdem,

se reinventam.

 

Como nós,

presos uns aos outros

num bailado instável,

onde amar é colidir,

viver é flutuar,

sem nunca saber

se voltaremos

ao mesmo céu.

 

Sussurros do Azul Profundo (um grito pela vida invisível) / J.M.J.

No silêncio das ondas, onde o sol mal alcança,

dançam os invisíveis, frágeis, pequenos, eternos.

Zooplâncton, labareda minúscula,

que carrega nos corpos o peso do mundo.

 

Gordura guardada, segredo de marés e estações,

mergulham fundo, em busca do ventre escuro,

onde o carbono se prende, se cala, se torna memória,

um pacto antigo entre vida e silêncio.

 

Esquecidos por olhos que buscam gigantes,

mas indispensáveis, guardiões do céu líquido,

que ao sucumbir ou ao dançar na corrente,

levam embora a fumaça que empoeira o ar.

 

Mas o calor sobe, o homem corta e pesca,

desfaz-se a teia invisível, desata-se o nó do ciclo.

O mar geme em voz baixa, quase inaudível,

e nós, cegos, perdemos o fio da vida.

 

Ouçam o grito sem som, o clamor dos minúsculos,

que sustentam a esperança, que trazem a salvação.

Que o oceano não seja só espelho quebrado,

mas altar onde o azul se renove e cante.

 

 

(Este poema nasceu de um espanto: o espanto de descobrir que a vida do planeta depende, em grande parte, de criaturas que quase ninguém vê. O zooplâncton, minúsculo, silencioso, invisível aos olhos distraídos, realiza um milagre cíclico nas profundezas dos oceanos, capturando carbono e ajudando a estabilizar o clima da Terra.

Mas esta vida invisível está em perigo. O aquecimento global e a pesca intensiva, especialmente do krill, ameaçam este equilíbrio delicado. E quando tocamos o invisível, abalamos o visível: o clima, o ar que respiramos, a harmonia do planeta.

Este poema é um grito suave, um apelo à escuta. Que saibamos proteger não só os grandes animais e as paisagens majestosas, mas também os pequenos seres que, em silêncio, sustentam o mundo.)