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quinta-feira, 24 de julho de 2025

Resgatada a Memória / J.M.J.

Três séculos dormiu o casco,

envolto em areia, sal e segredo,

na baía onde o tempo não passa,

mas tudo guarda.

 

Chamava-se Nossa Senhora do Cabo,

e levava consigo o peso do mundo:

ouro para Lisboa,

fé para os céus,

e fantasmas para o porvir.

 

Veio o corsário,

Olivier, o Abutre,

com olhos de naufrágio

e garras de império.

O ataque foi breve,

mas a perda, interminável.

 

O navio afundou-se

sem elegia,

abraçado à sua carga

de riqueza e contradição.

 

Agora, o mar abre as mãos

e devolve, peça a peça,

a história soterrada:

moedas corroídas,

pérolas com gosto a luto,

fragmentos de orações,

ossos de porcelana.

 

Foi resgatada a memória

de um império partido,

de santos e ladrões,

de rotas cruzadas pela ambição

e de homens

que nunca chegaram a casa.

 

O ouro brilha, sim,

mas o que mais cintila

é a voz do que ficou por dizer.

 

E o silêncio,

enfim,

fala.

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