Três séculos dormiu o casco,
envolto em areia, sal e segredo,
na baía onde o tempo não passa,
mas tudo guarda.
Chamava-se Nossa Senhora do Cabo,
e levava consigo o peso do mundo:
ouro para Lisboa,
fé para os céus,
e fantasmas para o porvir.
Veio o corsário,
Olivier, o Abutre,
com olhos de naufrágio
e garras de império.
O ataque foi breve,
mas a perda, interminável.
O navio afundou-se
sem elegia,
abraçado à sua carga
de riqueza e contradição.
Agora, o mar abre as mãos
e devolve, peça a peça,
a história soterrada:
moedas corroídas,
pérolas com gosto a luto,
fragmentos de orações,
ossos de porcelana.
Foi resgatada a memória
de um império partido,
de santos e ladrões,
de rotas cruzadas pela ambição
e de homens
que nunca chegaram a casa.
O ouro brilha, sim,
mas o que mais cintila
é a voz do que ficou por dizer.
E o silêncio,
enfim,
fala.
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