Não é visão, é insulto,
é uma encenação digital
a fingir que a morte não existe,
uma limpeza estética
do horror quotidiano.
Publicam Gaza em luzes de sonho,
arranha-céus à beira-mar,
turistas de IA a passear,
onde a infância morre de fome.
Chamam-lhe “futuro”,
mas é só propaganda,
um holograma
a encobrir escombros e luto.
No vídeo, não há poeira,
nem o choro das mães,
nem o corpo do menino
que não chegou a conhecer a paz.
Trump sorri, Netanyahu acena,
a ministra escreve slogans,
enquanto o sangue se infiltra
na areia do presente.
Mas não há inteligência, artificial ou não,
que legitime a destruição em nome do lucro,
da ocupação, da ganância, da mentira.
Porque o vídeo é falso,
mas a fome é real,
as mortes são reais,
a dor é real.
Gaza não precisa de Riviera,
precisa de verdade,
de pão,
de justiça,
de trégua.
E o mundo,
o mundo precisa de memória,
para não confundir delírio com redenção,
nem propaganda com futuro.
Porque a História,
mais cedo ou mais tarde,
há-de chamar pelo nome
quem fez do inferno
um postal de luxo.
(Este poema nasce como resposta a um vídeo
recentemente divulgado pela ministra israelita Gila Gamliel, onde Gaza é
retratada, com recurso a inteligência artificial, como uma futura “Riviera do
Médio Oriente”. No vídeo, surgem figuras como Trump e Netanyahu a passear por
uma paisagem paradisíaca, enquanto, na realidade, dezenas de crianças morrem de
fome e subnutrição, e o povo palestiniano continua a ser massacrado.
O texto é uma denúncia da manipulação da dor alheia
para fins propagandísticos. Uma crítica a quem, com poder e cinismo, tenta
reescrever a realidade ainda a sangue quente. Gaza não precisa de visões
artificiais, precisa de justiça, de pão e de trégua. E o mundo, se ainda tiver
consciência, precisa de memória.
A poesia, aqui, é também testemunho.)
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