Seguidores

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Riviera do Cinismo / J.M.J.

Não é visão, é insulto,

é uma encenação digital

a fingir que a morte não existe,

uma limpeza estética

do horror quotidiano.

 

Publicam Gaza em luzes de sonho,

arranha-céus à beira-mar,

turistas de IA a passear,

onde a infância morre de fome.

 

Chamam-lhe “futuro”,

mas é só propaganda,

um holograma

a encobrir escombros e luto.

 

No vídeo, não há poeira,

nem o choro das mães,

nem o corpo do menino

que não chegou a conhecer a paz.

 

Trump sorri, Netanyahu acena,

a ministra escreve slogans,

enquanto o sangue se infiltra

na areia do presente.

 

Mas não há inteligência, artificial ou não, 

que legitime a destruição em nome do lucro,

da ocupação, da ganância, da mentira.

 

Porque o vídeo é falso,

mas a fome é real,

as mortes são reais,

a dor é real.

 

Gaza não precisa de Riviera,

precisa de verdade,

de pão,

de justiça,

de trégua.

 

E o mundo,

o mundo precisa de memória,

para não confundir delírio com redenção,

nem propaganda com futuro.

 

Porque a História,

mais cedo ou mais tarde,

há-de chamar pelo nome

quem fez do inferno

um postal de luxo.

 

 

 

(Este poema nasce como resposta a um vídeo recentemente divulgado pela ministra israelita Gila Gamliel, onde Gaza é retratada, com recurso a inteligência artificial, como uma futura “Riviera do Médio Oriente”. No vídeo, surgem figuras como Trump e Netanyahu a passear por uma paisagem paradisíaca, enquanto, na realidade, dezenas de crianças morrem de fome e subnutrição, e o povo palestiniano continua a ser massacrado.

O texto é uma denúncia da manipulação da dor alheia para fins propagandísticos. Uma crítica a quem, com poder e cinismo, tenta reescrever a realidade ainda a sangue quente. Gaza não precisa de visões artificiais, precisa de justiça, de pão e de trégua. E o mundo, se ainda tiver consciência, precisa de memória.

A poesia, aqui, é também testemunho.)

Sem comentários:

Enviar um comentário