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quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Quando Pensar se Torna Perigoso

Há tempos em que pensar é heresia,

e a lucidez, um crime discreto.

Os que veem além da névoa

são tratados como os que a provocam.

 

Chamam-lhes arrogantes,

porque não temem a dúvida;

traidores,

porque não se ajoelham diante da multidão.

 

Mas o pensamento é chama,

pode queimar as mãos,

mas é ele que impede

que o mundo adormeça na escuridão.

 

Ser inteligente, quando o estúpido é rei,

é um ato de coragem silenciosa:

é escolher ver,

quando todos preferem a cegueira.

 

E mesmo que te chamem louco,

lembra-te;

toda a verdade começa

com o sussurro de um solitário

contra o coro do medo.

 

 

(Este poema inspira-se no espírito de Isaac Asimov, refletindo sobre a coragem de pensar e a inteligência frente a um mundo, que frequentemente celebra a ignorância e a violência como saída.)

A Alma e o Espelho (Entre o Fogo e a Água)

Em cada homem dorme uma mulher,

que sonha com a ternura que ele teme

e em cada mulher respira um homem,

que anseia pela coragem que ela contém.

 

Somos fronteiras móveis,

rios que trocam de margem,

quando a lua muda de lugar.

 

O que chamas força

é apenas o disfarce da fragilidade que cuidas,

e o que chamas doçura

é o poder de quem já conheceu o caos.

 

Há um templo dentro do peito,

onde o masculino e o feminino se ajoelham,

não para dominar,

mas para reconhecer-se.

 

E quando enfim se olham,

não há mais guerra,

nem género,

nem solidão.

 

Há apenas o Uno,

suspenso entre o Fogo e a Água,

onde cada alma, enfim,

se torna inteira.

 

 

(Este poema inspira-se num pensamento de Carl Gustav Jung, sobre a presença do animus e da anima, o masculino e o feminino que coexistem em cada ser humano. Mais do que opostos, são forças complementares que buscam reconciliação. “A Alma e o Espelho” reflete esse encontro interior, onde fogo e água, razão e sentimento, coragem e ternura deixam de se combater e tornam-se uma só essência.)

 

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O Mestre e o Amante

Há em cada ser dois que se buscam:

um que ensina o caminho,

e outro que o percorre.

 

O mestre fala em claridade,

mas é o amante quem o compreende,

porque o desejo é uma forma de escuta.

 

O saber quer eternidade,

o amor quer presença,

e ambos se curvam um diante do outro,

reconhecendo-se na imperfeição.

 

Quando se tocam, o tempo suspende o fôlego:

a carne aprende o verbo,

e o verbo aprende a sentir.

 

Não há hierarquia nesse encontro,

nem queda, nem ascensão,

há apenas o instante em que o humano

se torna templo,

e o divino, respiração.

 

 

 

(Este poema nasce do encontro entre o mestre e o amante, duas forças que habitam o mesmo ser. Pode ser lido como a história de dois homens que se encontram, ou como o gesto secreto que une espírito e carne, ensino e desejo. Não define, apenas revela o instante em que o humano toca o divino.)

 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Cada Dia

Vive este dia

como se fosse o único,

porque é.

 

O passado já se desfez

no pó das tuas memórias,

e o futuro dorme ainda

no ventre do possível.

 

Só este instante respira contigo;

é nele que o tempo se curva

para te oferecer sentido.

 

Não peças mais do que ele traz:

um sopro, uma luz breve,

um gesto que pode mudar tudo

ou nada,

mas é teu.

 

E se o viveres inteiro,

sem fuga nem espera,

terás tocado, por um momento,

a eternidade.

 

 

(“Cada Dia” inspira-se num pensamento de Sêneca sobre o tempo e a serenidade: o convite a viver o presente como uma vida inteira, sem ser prisioneiro do que já passou nem do que ainda virá. O poema reflete essa filosofia estóica, a arte de habitar o agora com plenitude, reconhecendo que cada instante, quando plenamente vivido, contém em si a eternidade.)

 

Quando a vergonha se perde e o respeito se esvai

Quando os que comandam esquecem a vergonha,

o poder torna-se sombra, pesada e sem rosto.

 

E quando os que obedecem perdem o respeito,

o coração da cidade enfraquece,

como árvores sem raízes num vento hostil.

 

O ciclo é cruel: liderança sem consciência

enche o mundo de imposições vazias,

submissão sem discernimento

fecha portas ao que é justo e verdadeiro.

 

Somente onde há vergonha e respeito

reside a dignidade humana;

somente nela floresce a liberdade.

 

 

(Este poema inspira-se na reflexão de Georg Christoph Lichtenberg sobre poder, vergonha e respeito. Procura explorar como a perda de limites éticos, por quem comanda, e a perda de discernimento, por quem obedece, geram desequilíbrios na vida coletiva. Não se trata de um julgamento, mas de um convite à atenção, para que, mesmo diante de hierarquias e responsabilidades, permaneçamos conscientes da integridade e do respeito mútuo que sustentam qualquer sociedade.)

Os Loucos e os Cegos

Vivemos tempos em que os loucos guiam os cegos,

e o caminho se dobra sobre o próprio som;

vozes que gritam certezas sobre o vazio.

 

Os que nada veem acreditam ver tudo,

e os que nada sabem

erguem-se como mestres da razão.

 

A verdade perdeu morada,

anda de porta em porta, pedindo abrigo,

mas ninguém a reconhece,

porque a confunde com o espelho.

 

Entre risos e ruínas,

a humanidade tropeça em si mesma,

e ainda assim avança,

como quem sonha que caminha em linha reta

num mundo que gira sem parar.

 

 

(Este poema foi inspirado na frase de William Shakespeare “É a época: quando os loucos guiam os cegos.” É um olhar sobre a confusão moral e intelectual do nosso tempo, onde a certeza substitui a verdade e o ruído se disfarça de sabedoria.)

O Agora

Não há ontem,

nem há amanhã,

há apenas este sopro

que toca o peito e some.

 

O tempo é uma invenção dos que temem parar,

mas o instante não mente;

é aqui que tudo vive,

é aqui que tudo cessa.

 

Respira.

Não persigas o que passou,

não prepares o que virá.

O agora é uma nascente

onde o coração se lava

de tudo o que foi e do que ainda sonha ser.

 

Quem aprende a morar neste silêncio

descobre que o mundo

nunca deixou de o abraçar.

 

 

(Este poema inspira-se numa reflexão de Sêneca sobre a serenidade e o tempo. Recorda-nos que a mente humana tende a vaguear, presa ao que já foi ou ao que poderá vir, e que, nesse movimento incessante, perde o que é real: o instante  presente. Não é um convite à indiferença, mas à presença; a reconhecer que a vida acontece apenas aqui, neste agora que nos sustém e que, por si só, é suficiente.)

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Os Conscientes

Não há homens iluminados,

apenas conscientes;

aqueles que aprenderam a ver-se

sem fugir da própria noite.

 

Carregam as suas falhas

como quem leva uma lanterna trémula,

sabendo que a chama só existe,

porque há escuridão em volta.

 

Não pregam pureza,

nem prometem salvação,

apenas respiram fundo

e seguem,

um passo de cada vez,

entre o abismo e o milagre.

 

Sabem que a dor é mestra,

que o amor não é conquista,

mas entrega,

e que o perdão,

quando vem,

é um sopro silencioso

de lucidez.

 

Ser consciente

é olhar o mundo e não julgar,

é cair e reconhecer-se humano,

é continuar,

mesmo sem certezas,

porque a luz nunca foi destino,

mas caminho.

 

 

(Este poema “Os Conscientes” é uma reflexão sobre a experiência humana e a capacidade de olhar para dentro, sem ilusões. Não se trata de luz ou perfeição absoluta, mas da coragem de reconhecer a própria sombra e caminhar com consciência. Cada queda, cada gesto de entrega ou perdão, é um passo no entendimento do que significa ser humano. O poema não pretende julgar, mas oferecer um espelho para quem lê, um convite a sentir a própria lucidez e a aceitar que a consciência nasce na honestidade consigo mesmo.)

 

Os Dias Densos

Dias, há, em que o ar pesa,

como se o mundo tivesse esquecido de respirar.

 

Ninguém escapa a eles,

nem o santo, nem o sábio,

nem o que finge leveza.

 

São dias em que a alma acorda cansada,

sem saber de quê,

e o tempo se arrasta

com passos de pedra.

 

Mas mesmo assim,

há um fio invisível que nos liga,

uma ternura antiga que sussurra:

“aguenta mais um pouco.”

 

Porque no coração de cada noite

alguém também luta,

e resiste,

e essa partilha secreta

é o que mantém o mundo de pé.

 

 

 

(“Os Dias Densos” nasce da observação silenciosa das horas em que a existência parece pesar mais do que devia. Não é um lamento, mas um reconhecimento: todos atravessamos momentos em que a luz se esconde. Este poema recorda que mesmo nessas sombras há uma ligação invisível entre nós; o simples gesto de continuar é, por si, uma forma de esperança.)

Consciência e Carne

O corpo caça, o cérebro observa.

Entre instinto e lucidez,

o predador aprende a pesar a vida.

Cada sopro tomado ou dado

é lembrança de que pensar é responsabilidade,

e sobreviver sem ferir é o gesto mais humano.

A Verdade dos Homens

São ingratos;

trocam o amigo pela sombra do poder,

sorriem enquanto traem,

e choram apenas quando perdem.

 

A coragem é disfarce de medo,

a fé, uma moeda de troca,

e o amor,

a mais hábil das ilusões.

 

Cada palavra é máscara,

cada gesto, cálculo

e no espelho, o homem

descobre o animal

que aprendeu a mentir.

 

 

(Este poema inspira-se numa reflexão de Maquiavel sobre a natureza humana, a sua capacidade de fingimento, ingratidão e desejo. Não busca julgá-la, mas compreendê-la: olhar as sombras que habitam em nós e reconhecer nelas o espelho do que também somos.)

 

O Sono das Plantas

Quando a luz se despede,

as plantas inclinam-se, devotas,

num gesto antigo de confiança.

Não lutam contra a sombra,

sabem que o escuro também alimenta.

 

As folhas fecham-se

como mãos em oração,

guardando o sopro verde

que amanhã voltará a erguer-se.

 

Enquanto nós, inquietos,

contamos horas e medos,

elas apenas respiram,

no compasso perfeito

do que aceita o tempo.

 

Quem as observa aprende:

não é sempre tempo de florir.

Às vezes, é preciso dormir

para continuar a crescer.

Cansaço do Mundo

Há um cansaço que não é só do corpo,

mas da alma que há muito caminha

sobre estradas de vento e pó,

procurando sentido no que passa.

 

O homem constrói e desaba,

ama e esquece,

luta e pergunta-se por quê,

e o tempo, silencioso, observa.

 

Mesmo assim, entre ruínas e alvoradas,

a vida insiste em florescer,

num gesto, num olhar,

num breve instante de paz.

 

E talvez seja isso o milagre:

não fugir do cansaço,

mas deixá-lo repousar no peito

como quem acolhe um velho amigo,

e aprender com ele o silêncio

que antecede a renovação.

 

 

(Este poema inspira-se na experiência universal do cansaço humano: físico, emocional e existencial, e na constante travessia da alma em busca de sentido. Uma reflexão sobre a condição humana: a luta, a dúvida, a perda e, ainda assim, a persistência da vida em florescer, mesmo nos instantes mais silenciosos.)

A Criança que Habita

Mesmo aos sessenta e muitos,

uma criança habita em ti:

olhos que perguntam, mãos que sentem,

corações que ainda acreditam

no sopro invisível do mundo.

 

Não é fraqueza, não é atraso:

é totalidade.

Cada medo, cada riso,

cada instante de ternura

é o eco de quem nunca se rendeu ao tempo.

 

Permite-lhe brincar,

permite-lhe sentir,

e mesmo que o mundo pese,

essa criança é teu farol,

teu sopro eterno

entre sombra e luz.

O Espelho da Verdade

Ser verdadeiro não é ser perfeito,

é conhecer cada sombra que habita em nós,

e olhar para ela sem fingimento, sem culpa.

 

Há momentos em que o coração vacila,

em que o agir nos escapa,

e nos perguntamos: serei eu mesmo,

ou apenas a máscara do que julgo dever ser?

 

Aceitar que a fragilidade existe não é fraqueza,

é reconhecer a própria humanidade,

e na coragem de perceber o que não compreendemos,

floresce a possibilidade de escolher diferente,

de caminhar com consciência, mesmo entre erros.

 

Quem teme o mal que poderia fazer

está já a proteger o bem que habita em si.

A dúvida, a contradição, o dilema,

são os instrumentos que nos ensinam a escutar

o sopro profundo da verdade interior.

 

Ser verdadeiro é viver com atenção,

é permitir-se sentir, errar, aprender, amar,

é lembrar que cada gesto, cada escolha,

não nos define apenas como fomos,

mas também como podemos ser.