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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Quando o Silêncio Cede à Voz

Se o silêncio fosse apenas acordo,

a verdade dormiria num só leito,

e o pensamento morreria de fome,

sem o sal do contraste.

 

É no atrito que a centelha nasce,

é na divergência que o mundo respira.

Concordar sempre é abdicar do espírito,

é entregar as asas antes de voar.

 

O diálogo vive do desentendimento fértil,

não da obediência cega.

Pois pensar é arriscar-se no abismo do outro,

e ainda assim regressar inteiro,

com mais luz no olhar.

 

 

(Poema inspirado numa frase de Sigmund Freud, esta reflexão lembra-nos que a verdadeira riqueza do diálogo está na pluralidade de pensamentos. Se a concordância é total, corre-se o risco de perder a autonomia. É no contraste de ideias que nascem a consciência crítica e a possibilidade de evolução.)

Rebelião Invisível

Nos corredores do silêncio,

o olhar que tudo observa e tudo ordena,

ergue-se sem corpo, sem rosto,

prendendo gestos, moldando vontades.

 

Cada passo é medido, cada escolha vigiada,

mas entre as linhas de ferro invisível do poder,

uma faísca insiste em arder,

uma voz que se recusa a calar.

 

Somos prisioneiros e conspiradores,

cúmplices da norma, mas filhos da consciência,

e mesmo na disciplina que nos sufoca,

há fendas onde a liberdade se infiltra.

 

O sistema domina, mas não aprisiona tudo,

a alma encontra caminhos, sombras que ensinam fuga,

porque a rebelião é silenciosa e eterna,

e cada gesto de resistência é chama que não se apaga.

Fogo e Cinza, Ordem e Ruptura

O dia nasce medindo os passos,

arrumando o mundo em detalhes pequenos,

mas no fundo da noite ecoa uma voz:

nada ficará como está.

 

A pressa da emoção quer abrir caminho,

como fogo que não espera,

e encontra no coração humano

um desejo antigo de libertação.

 

A mente procura clareza,

a razão escreve mapas,

mas o impulso rasga fronteiras,

e do encontro entre lógica e chama

nasce o gesto que muda destinos.

 

No ar, relâmpagos ocultos,

ideias que estremecem muralhas,

revoltas que sussurram antes de gritar.

 

E contudo, por um instante,

ordem e instinto tocam-se,

como se o universo murmurasse:

“Do atrito nasce a vida,

da tensão floresce a aurora.”

O Palimpsesto Esquecido

Entre pergaminhos raspados e cânticos antigos,

Arquimedes sussurra em sombras,

seus números, fórmulas, universos,

escondidos sob salmos que nunca souberam voar.

 

Séculos se dobraram sobre o saber,

monges, sem malícia, mas com poder,

apagam estrelas da mente humana,

e o futuro aguarda, órfão de luz,

milénios antes de poder nascer.

 

O conhecimento, arrancado à força do tempo,

ecoou em silêncio, esperando olhos atentos,

como uma chama submersa,

como sementes que recusam morrer.

 

E mesmo tardio, o Palimpsesto ressurge,

um grito de metal e luz,

lembrando-nos que a razão não se rende,

que a curiosidade é imortal,

e que cada página perdida é uma história ainda a ser contada.

 

 

 

(Este poema denuncia a forma como a Igreja Católica, como instituição de poder, historicamente ocultou e destruiu conhecimento, atrasando o avanço da humanidade. O Palimpsesto de Arquimedes é símbolo desse controle: a fé institucionalizada sobrepôs-se à razão, apagando descobertas que poderiam ter transformado o mundo. Mas a verdade resiste, sempre pronta a emergir.)

 

Faísca de Origem

No silêncio invisível da célula,

milhões correm em direção ao mistério,

mas apenas um atravessa o véu,

abraça o centro guardado.

 

E quando se encontram,

um clarão desperta,

não é fogo, nem estrela,

é zinco em dança luminosa,

faísca primeira de uma história sem nome.

 

Nesse instante,

a vida escreve a sua primeira palavra,

um relâmpago microscópico

que nenhum olho nu pode ver,

mas que carrega o peso de todos os mundos.

 

Somos feitos desse brilho secreto,

dessa centelha escondida no início,

um rastro de luz

que nunca mais se apaga.

 

 

(Este poema foi inspirado na descoberta científica de que, no momento da fecundação, há uma libertação de zinco que produz um brilho microscópico de luz, uma faísca que marca o início da vida.)

Império Silencioso

Sob a terra, erguem-se colónias invisíveis,

rainhas veladas em sombras,

ordeiras de um poder antigo,

tecendo destinos que não lhes pertencem.

 

Pupas roubadas, filhos de outras casas,

crescem sem saber que trabalham

para perpetuar a força de quem os domina.

Cada gesto, cada passo, uma engrenagem

no mecanismo silencioso da sobrevivência.

 

Lutam, marcham, constroem;

no labor brutal, não há maldade,

apenas a lógica fria de um império que precisa existir.

Liberdade e escravidão coexistem,

entrelaçadas como raízes invisíveis sob o solo.

 

Mesmo na pequenez, há ecos de poder,

como se cada colónia refletisse

as escolhas e hierarquias que assombram,

lembrando que dominar ou ser dominado

é um instinto tão antigo quanto a vida.

 

 

(Este poema reflete sobre o instinto ancestral de dominar ou ser dominado, inspirado nas colónias de formigas escravagistas. Mesmo no menor ser, há ecos de poder, hierarquia e sobrevivência.)

O Autocarro de Nimbus

Do corpo humano nasce o movimento,

resíduos que o mundo descarta,

transformam-se em vento e viagem.

 

Cem vidas, uma energia compartilhada,

um autocarro que percorre ruas,

cidades que respiram esperança

nos gases convertidos em futuro.

 

O ciclo da vida em cada quilómetro,

o quotidiano que se transforma em impulso,

o que foi sombra torna-se força,

o que é esquecido, leva-nos adiante.

 

E assim, na linha V3,

o invisível do corpo humano

torna-se visível nas rodas que giram,

numa dança silenciosa de matéria e luz,

lembrando-nos que até o que é descartado

pode mover o mundo.

 

 

(Este poema é inspirado no projeto de Barcelona, em que excrementos humanos são convertidos em biometano para alimentar um autocarro urbano, o texto explora a poesia do ciclo da vida e da sustentabilidade. Cada quilómetro percorrido torna-se uma metáfora para o reaproveitamento, para a força invisível que nasce do que parecia inútil, lembrando-nos que até o que é desprezado pode tornar-se motor de mudança e esperança.)

Fragmentos de Origem

No deserto de Afar,

o vento levanta pó de ossos

e a areia guarda segredos

mais velhos que o sol de hoje.

 

Treze dentes brilham no silêncio,

não são de Lucy,

não são de Homo,

são de um nome que ainda não sabemos dizer.

 

O passado não é uma linha,

é um rio que se divide,

se perde, se encontra,

um labirinto de caminhos esquecidos.

 

A galáxia devora galáxias,

a Terra molda espécies,

e nós,

somos herdeiros de encontros,

de disputas,

de amores antigos entre pó e fogo.

 

Cada fósforo aceso no céu

é um fóssil de luz,

cada fóssil enterrado na terra

é uma estrela caída no tempo.

 

E entre ambos,

nós,

vestígios vivos,

arqueólogos de nós mesmos.

 

 

(Poema inspirado na recente descoberta de fósseis na região de Afar (Etiópia), que poderá revelar uma nova espécie de ancestral humano, desafiando a visão linear da evolução.)

Mentes que Despertam

Há quem caminhe com a mente acorrentada,

aceitando verdades que nunca foram questionadas,

e há quem olhe para o mundo como se fosse um espelho quebrado,

vendo fragmentos de dogmas que nunca pediu.

 

Duvidar é um gesto de coragem,

pensar por si mesmo é um ato de liberdade,

e cada pergunta que ousamos lançar no silêncio

é uma faísca que acende outros olhos, outras consciências.

 

Não existe felicidade sem reflexão,

nem justiça sem o olhar que percebe a dor alheia.

O conhecimento não é poder, é luz que se espalha,

uma mão estendida no escuro, convidando outros a caminhar.

 

Educar é ensinar a questionar,

é mostrar que a verdade não se herda, se conquista,

que a mente livre não se submete

e que a dúvida é o portal para a sabedoria.

 

 

(Este poema foi inspirado pelas ideias de Bertrand Russell, filósofo e pensador crítico, cuja obra enfatiza a importância da liberdade de pensamento, da dúvida como instrumento de conhecimento e da responsabilidade ética na vida humana. Embora não sejam citadas palavras literais, o poema reflete o espírito de sua filosofia e busca despertar a reflexão sobre a autonomia da mente e a necessidade de questionar o que nos é apresentado como verdade.)

Ecos da Galáxia

No silêncio do espaço, memórias antigas

deslizam entre estrelas como sombras.

A Via Láctea guarda cicatrizes de canibalismo,

restos de mundos engolidos

que sussurram histórias de batalhas

que nenhum olho humano testemunhou.

 

Fósseis estelares brilham como fósforos esquecidos,

revelando a fome antiga do cosmos,

a dança violenta da criação e destruição,

onde cada estrela é um eco,

cada aglomerado, um vestígio de outro tempo.

 

E nós, minúsculos no tecido do universo,

olhamos para cima, imaginando paz,

quando na verdade caminhamos

entre ossos de galáxias,

herdeiros de segredos e sombras

que moldaram o nosso próprio céu.

domingo, 7 de setembro de 2025

Manifesto da Palavra

Não falo para converter,

nem para levantar templos sobre a areia.

A minha missão é o verso,

o sopro que rompe grades invisíveis,

o canto que recorda ao ser humano

que não nasceu escravo,

mas livre.

 

A poesia é a minha espada e o meu bálsamo,

ela fere as mentiras,

mas cura os corações cansados.

Não se curva diante de altares,

não beija anéis de poder,

nem se vende a reis nem a igrejas,

mas fala do que arde no íntimo,

da centelha que ainda pulsa,

mesmo sob séculos de escuridão.

 

Trago palavras como sementes:

lanço-as ao vento,

não para impor raízes,

mas para que germinem onde houver solo fértil.

Quem ouvir, que escute,

quem despertar, que caminhe

e quem preferir o sono,

que repouse, pois cada ser tem o seu tempo.

 

Entre sombra e fogo,

sou guardião da lembrança:

o ser humano é mais

do que lhe disseram que era,

e a verdade, mesmo perseguida,

encontra sempre uma voz para cantar.

 

Entre Marés e Fogo

O dia arde antes de nascer,

correntes invisíveis percorrem a pele,

fazem o sangue pulsar com pressa,

sussurram segredos que não podemos calar.

 

Há choques, profundos e silenciosos,

como relâmpagos que atravessam ossos,

desejos que queimam antes de se entenderem,

medos que dançam junto à coragem.

 

O coração se abre e se parte,

balança entre lembranças antigas

e promessas que não ousamos tocar,

entre mãos que querem segurar

e sombras que pedem passagem.

 

Amor, luz e risco se confundem,

cada gesto é chama e vento,

cada encontro, uma tempestade,

cada suspiro, um mapa de mundos

que só o olhar consegue decifrar.

 

Mesmo na confusão,

há um fio que segura,

uma voz silenciosa que diz:

sente, vê, toca, existe.

 

E o corpo, por mais frágil,

aprende a navegar

no fogo que nos move

e na água que nos molda.

Entre Histórias e Silêncios

Ele caminhou, ou talvez apenas a sombra de alguém em quem disseram ver nele.

O pó da estrada misturava-se ao sangue e ao suor de homens comuns,

não com as glórias que séculos depois lhe atribuiriam.

 

Os livros vieram depois, mãos humanas a escrever sobre mãos humanas,

cada palavra moldada pelo poder, pela política, pelo medo de perder controle.

E entre linhas e evangelhos, oficiais e esquecidos,

há vozes que questionam: quem realmente sofreu, quem realmente amou,

quem foi crucificado, quem escapou?

 

O nome ecoa, carregado de mil intenções:

sacerdotes, imperadores, sábios, impostores,

todos olhando através do mesmo véu,

todos tentando prender a luz de um homem que quis apenas andar livre.

 

A verdade se esconde entre o mito e o silêncio,

na sombra do que nos contaram e no espaço do que nos foi negado.

E mesmo assim, ele caminha, invisível, entre nós,

como um farol ou um enigma,

um reflexo de humanidade que ninguém pode possuir,

uma pergunta que resiste à resposta.