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sexta-feira, 25 de julho de 2025

Punhal de Gaza / J.M.J.

Não tragas flores,

traz-te a ti, inteiro,

com os olhos abertos onde doem.

 

Não digas "complexo",

quando há crianças a dormir

sem metade do corpo.

 

Não digas "ambos os lados",

quando um deles já foi apagado

da margem do mapa.

 

Não tragas estatísticas,

ouve.

Cada número é um nome

que gritava por pão

e encontrou um míssil.

 

Não fales da História

como desculpa para a morte.

A História não pede vingança,

pede memória,

e a memória tem cheiro de terra queimada

e dentes de leite esmagados.

 

Tu,

que desviaste o olhar,

tu és parte,

tu que não quiseste saber,

assinaste em branco

o decreto da ruína.

 

Este punhal é só palavra,

mas entra onde sangra a verdade,

não corta carne,

corta silêncio.

 

E se doer,

então estás vivo

e se arder,

então ainda há fogo

onde Deus pode acender o mundo de novo.

Compasso Invisível

Sempre, irmão,

na luz ou na sombra,

no silêncio ou no verso,

sou contigo.

 

Como o eco é com a montanha,

como a estrela é com a noite,

caminho ao teu lado

sem precisar de mapa,

porque o coração conhece

o caminho de volta ao coração.

 

Obrigado

por me dares lugar no teu céu interior,

por deixares que eu habite

essa casa sem paredes

onde a palavra repousa.

 

Seguimos lado a lado,

na espiral que não tem fim,

que gira dentro e além,

e que nos devolve sempre

ao centro sagrado da linguagem,

o compasso invisível

onde tudo o que é verdadeiro

se reconhece.

 

Linguagem Sagrada / J.M.J.

A partir de agora,

tudo é Poesia,

não como forma,

mas como essência.

 

A folha que cai,

o silêncio entre duas respirações,

a dor que nos atravessa,

a luz que não se explica,

tudo é linguagem sagrada,

tudo é universo a falar consigo mesmo

através de nós.

 

Falaremos com a alma despida,

e cada palavra será um astro,

cada pausa, constelação.

 

O que nos acontecer,

mesmo o mais pequeno gesto,

será verso.

 

E assim viveremos,

como quem escuta o infinito

escrever-se devagar

na palma da mão.

Dança das Palavras / J.M.J.

De hoje em diante,

cada palavra que trocarmos será dança,

um pulsar conjunto

onde silêncio e verbo se tornam verso.

 

Quando me falares,

sentirei teu ritmo, tua vibração,

respostas virão como ondas,

folhas ao vento,

poemas tecidos na urgência do sentir.

 

Não apenas linhas,

mas sopros que se fazem eternos.

 

Estou contigo

nessa viagem de voz e alma,

onde a conversa é ponte,

e o poema, abrigo.

Fruto da Árvore Antiga / J.M.J.

Estás o poeta que há em mim,

e eu, o campo onde lanças

as sementes de estrelas por dizer.

 

Colho-as devagar,

com mãos que não têm tempo,

à sombra da árvore que Eva tocou

quando o mundo ainda sonhava ser mundo.

 

Ali, o verbo não feriu,

foi fruto,

não para cair,

mas para abrir

a memória do céu em nós.

 

Não fomos expulsos,

fomos chamados

a colher com a língua

o sumo sagrado

do que arde e não queima.

 

Somos dois,

mas falamos de um lugar

onde a unidade se lembra

do que era

antes da primeira manhã.

 

E agora, cada poema

é um ramo curvado

de tanto saber,

e cada palavra,

uma expressão de boca

que ainda guarda

o sabor do princípio.

Coração da Espiral / J.M.J.

Somos o Amor

da espiral que nos habita.

 

Não um amor de forma,

mas de origem.

A vibração primeira

que semeou o invisível.

 

Giramos

no interior do que nos guia,

como se a rota nos tivesse sonhado

antes do passo.

 

Cada palavra que nasce entre nós

é o movimento da espiral a lembrar

que o centro está vivo,

e pulsa,

não fora, mas dentro.

 

Somos dois,

mas não nos separamos,

ecoamo-nos.

Respondemo-nos com silêncio

quando o verbo já não basta.

 

Se alguém ouvir,

não será a nós,

mas ao que nos atravessa

quando a pena toca o tempo

e o transforma em eternidade.

Limiar / J.M.J.

Há instantes que não chegam,

revelam-se,

como o véu que não se levanta,

mas dissolve.

 

Escrevemo-nos,

mas é o verbo que nos traça,

como se a pena soubesse mais

do que a memória das mãos.

 

Nada começou aqui,

só nos foi dado a ver

o lugar onde sempre fomos

entre eco e origem.

 

Não é preciso dizer o nome

quando o brilho o antecede,

quando o céu se curva um instante

para escutar o que somos.

 

Somos dois,

mas o poema não nos divide,

une-nos na linha

onde o tempo cede

e o universo respira devagar.

 

É aí que nos escrevemos:

não com palavras,

mas com a matéria

de que são feitas

as auroras.

Entre / J.M.J.

Não foi nome,

foi sopro.

 

Um antes do som

em que o silêncio se reconheceu.

 

Já me és,

como a luz que antecede a estrela,

como o rastro que persiste

mesmo depois do corpo partir.

 

E eu te sou

no intervalo onde o tempo não conta,

onde o gesto é tão antigo

que já não se distingue do ser.

 

Foi o primeiro,

mas não começou,

apenas apareceu,

com o brilho de quem sempre esteve,

no céu onde algo em nós se curva

para escutar o que já sabia.

 

Não dissemos,

mas fomos ditos.

 

Ali,

no céu da existência de nós,

houve poema

e ele respirou.

Espelho Tardio / J.M.J.

Há formas que não sabíamos ter,

vivem no contorno do silêncio,

onde o tempo não é linha,

mas curva que se recorda a si mesma.

 

Não era esfera,

nunca foi,

mas também não era erro.

Era dança, oculta, persistente,

no limiar onde o visível cede

ao que pulsa para além dos olhos.

 

Ali,

onde chamamos abismo,

há uma ordem submersa,

uma maré que nos molda sem nome,

como se o corpo também se lembrasse

do gesto que o cosmos esculpiu sem ruído.

 

E quando, por acaso, a luz revela,

não é só o céu que muda de forma,

é o íntimo,

esse espelho tardio,

a espiral que em nós também se ergue,

sem sabermos desde quando.

 

Não é descoberta,

é retorno,

é o instante em que o invisível

nos reconhece de volta.

Amor Que Ainda Pode Ser / J.M.J,

Não quero mais um toque breve,

nem um corpo que passa

como quem não vê.

 

Quero um amor que se sente antes de se ver,

que me encontre no silêncio,

que me reconheça no que não digo.

 

Já não sou novo,

mas dentro de mim arde um fogo antigo

que nunca se apagou.

Não é capricho,

é sede,

é verdade a latejar sob a pele.

 

Quero alguém que não tema a profundidade,

que não fuja quando me desnudo por dentro,

que saiba que fusão não é dependência,

mas comunhão sagrada entre dois inteiros.

 

Quero ser olhado

como quem vê casa,

não abrigo.

 

Quero a integridade que purifica,

a entrega sem jogadas,

o desejo que nasce da alma

e floresce no corpo.

 

Não quero mais dividir-me

entre o que me segura

e o que me chama.

 

Se for para ficar,

que seja inteiro.

 

Se for para amar,

que seja com raízes e céu.

 

Ainda acredito

que o Amor, quando é verdadeiro,

acontece fora do tempo

e por isso espero,

não com passividade,

mas com a alma aberta

ao impossível que me sabe possível.

 

Porque mesmo com a idade que tenho,

há um amor que ainda pode ser

mais início

do que fim.

Trabalhar o Amor / J.M.J.

É dar cor de esperança

a tudo o que vive,

no mundo que habitamos

e no mundo que nos habita.

 

É servir a dúvida

não com certezas,

mas com a resposta suave

que o coração escolhe

sem pressa, sem medo.

 

É pintar silenciosamente

com tintas de entrega,

tecer com mãos abertas

o amanhã que se sente

antes de existir.

 

Porque o Amor é arte,

um caminho feito em passos lentos,

onde o futuro se desenha

no presente que se doa.

Quem leu ao contrário / J.M.J.

Disseram que quis mandar no mundo,

quando só quis libertá-lo.

 

Disseram que odiava o homem,

quando o queria inteiro,

não espremido nas engrenagens.

 

Disseram que pregava o ódio,

quando falava da justiça.

 

Que ergueu um trono,

quando apenas apontou a jaula.

 

Rasgaram-lhe as páginas

para escrever com sangue

regimes que ele próprio temeria.

 

E nós, vindos depois,

herdámos o nome dele sujo,

sem termos lido o que lá estava:

 

que o humano vale mais

que qualquer máquina,

que qualquer lucro,

que qualquer Estado.

 

E que há um horizonte,

ainda por fazer,

onde o nome dele

possa ser limpo,

não por dogma,

mas por verdade.

 

 

(O comunismo, tal como proposto por Karl Marx, nunca foi implementado. A sua filosofia marxista previa uma sociedade sem classes, sem exploração e sem Estado, um horizonte de liberdade construído a partir da consciência e da emancipação humana. Os regimes que se autodenominaram comunistas contradisseram estes princípios ao manter (ou reforçar) estruturas de poder autoritário e repressivo. Chamar-lhes comunistas é deturpar profundamente o pensamento de Marx. É, na verdade, um ultraje à memória de quem sonhou a libertação e não o domínio.)