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terça-feira, 22 de julho de 2025

A Morte da Raça Pura / J.M.J.

Dizem-se puros,

de sangue claro

e pele que nunca arou o mundo.

 

Dizem-se origem,

como se a história tivesse nascido

numa cave de porcelana.

 

Mas a verdade

sangra por baixo da pele:

 

não há branco que não traga África na veia,

nem europeu que não tenha

pó de deserto nas raízes.

 

Todos misturados

desde o princípio dos ossos,

desde antes dos nomes,

desde o fumo da primeira fogueira.

 

A raça pura é um mito

que fede a trincheira,

a campo de extermínio,

a escola onde se ensina o medo com hino.

 

É uma invenção de quem treme

perante a beleza do diverso.

 

Querem limpar o sangue?

Que limpem a língua,

onde moram palavras árabes, latinas,

germânicas, celtas, negras,

como sombras no mesmo som.

 

Querem pureza?

Então cuspam a música,

o pão, o corpo que desejam

e que vem de mil rostos diferentes.

 

Não há raça branca,

há delírio,

há espelho rachado

e há muita ignorância com gravata.

 

A única pureza

é a do amor sem fronteiras,

o resto

é medo vestido de bandeira.

 

E quem insiste em separar

o humano do humano,

já perdeu a guerra da espécie.

Já vive morto

no sonho sujo

de uma raça que nunca existiu.

 

 

 

Poema dedicado ao meu querido amigo Lúcio, símbolo de diversidade, sobretudo mental e intelectual. As suas características físicas são, como devem ser, secundárias.

 

 

(Este poema foi escrito como resposta direta à perigosa fantasia da “pureza racial”, especialmente no contexto da exaltação da chamada "raça caucasiana" como superior ou original. A ciência genética já demonstrou que todos os seres humanos são fruto de milhares de anos de mistura, entre povos, culturas, geografias, e até espécies humanas extintas como os neandertais. A ideia de “raça pura” é uma construção ideológica, não uma realidade biológica.

Mais do que desmontar esse mito, este poema denuncia os seus perigos: o ódio, a exclusão, a supremacia, e a violência que dele brotam. A pureza racial é o disfarce do medo; medo da perda de poder, medo da diferença, medo de reconhecer que somos todos, profundamente, misturados.

Que este poema sirva como uma ferida aberta na narrativa dos que ainda insistem em separar, hierarquizar, ou desumanizar.)

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