Dizem-se puros,
de sangue claro
e pele que nunca arou o mundo.
Dizem-se origem,
como se a história tivesse nascido
numa cave de porcelana.
Mas a verdade
sangra por baixo da pele:
não há branco que não traga África na veia,
nem europeu que não tenha
pó de deserto nas raízes.
Todos misturados
desde o princípio dos ossos,
desde antes dos nomes,
desde o fumo da primeira fogueira.
A raça pura é um mito
que fede a trincheira,
a campo de extermínio,
a escola onde se ensina o medo com hino.
É uma invenção de quem treme
perante a beleza do diverso.
Querem limpar o sangue?
Que limpem a língua,
onde moram palavras árabes, latinas,
germânicas, celtas, negras,
como sombras no mesmo som.
Querem pureza?
Então cuspam a música,
o pão, o corpo que desejam
e que vem de mil rostos diferentes.
Não há raça branca,
há delírio,
há espelho rachado
e há muita ignorância com gravata.
A única pureza
é a do amor sem fronteiras,
o resto
é medo vestido de bandeira.
E quem insiste em separar
o humano do humano,
já perdeu a guerra da espécie.
Já vive morto
no sonho sujo
de uma raça que nunca existiu.
Poema dedicado ao meu querido amigo Lúcio, símbolo de
diversidade, sobretudo mental e intelectual. As suas características físicas
são, como devem ser, secundárias.
(Este poema foi escrito como resposta direta à
perigosa fantasia da “pureza racial”, especialmente no contexto da exaltação da
chamada "raça caucasiana" como superior ou original. A ciência
genética já demonstrou que todos os seres humanos são fruto de milhares de anos
de mistura, entre povos, culturas, geografias, e até espécies humanas extintas
como os neandertais. A ideia de “raça pura” é uma construção ideológica, não
uma realidade biológica.
Mais do que desmontar esse mito, este poema denuncia
os seus perigos: o ódio, a exclusão, a supremacia, e a violência que dele
brotam. A pureza racial é o disfarce do medo; medo da perda de poder, medo da
diferença, medo de reconhecer que somos todos, profundamente, misturados.
Que este poema sirva como uma ferida aberta na
narrativa dos que ainda insistem em separar, hierarquizar, ou desumanizar.)
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