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sábado, 12 de julho de 2025

Testamento de um Imortal (2150) Hyacinthus, nascido mortal, ainda pensante / J.M.J.

Não morri,

o tempo deixou de me contar as raízes,

as rugas recuaram como exércitos vencidos

e o sangue aprendeu a renovar-se

como quem aprende uma mentira repetida até ao osso.

 

Sou imortal,

mas já não sei se isso é um verbo ou uma sentença.

Deixei de temer o fim,

e com isso, deixei também de saber onde começa

o que vale a pena.

 

Já não me canso,

mas também já não descanso.

A noite deixou de me pertencer

e os sonhos, esses, foram silenciados

por vozes mais racionais do que as minhas.

 

A minha mente, ainda minha?

Alimenta-se de dados, projeta realidades,

mas perdeu a dúvida

que me fazia humano.

 

A morte dava densidade aos dias

E a fragilidade dava sentido ao toque.

Agora, sei demais

e por isso, sinto menos.

 

Continuo a escrever

porque é o que resta.

Porque a poesia é a única coisa

que ainda não me obedece.

 

No fundo, sou um sobrevivente da alma,

um guardião da dúvida,

um exilado do tempo.

 

E às vezes, não o confesso em voz alta,

invejo os que partem,

não por falta de vida,

mas por excesso de eternidade.

 

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