Não morri,
o tempo deixou de me contar as raízes,
as rugas recuaram como exércitos vencidos
e o sangue aprendeu a renovar-se
como quem aprende uma mentira repetida até ao osso.
Sou imortal,
mas já não sei se isso é um verbo ou uma sentença.
Deixei de temer o fim,
e com isso, deixei também de saber onde começa
o que vale a pena.
Já não me canso,
mas também já não descanso.
A noite deixou de me pertencer
e os sonhos, esses, foram silenciados
por vozes mais racionais do que as minhas.
A minha mente, ainda minha?
Alimenta-se de dados, projeta realidades,
mas perdeu a dúvida
que me fazia humano.
A morte dava densidade aos dias
E a fragilidade dava sentido ao toque.
Agora, sei demais
e por isso, sinto menos.
Continuo a escrever
porque é o que resta.
Porque a poesia é a única coisa
que ainda não me obedece.
No fundo, sou um sobrevivente da alma,
um guardião da dúvida,
um exilado do tempo.
E às vezes, não o confesso em voz alta,
invejo os que partem,
não por falta de vida,
mas por excesso de eternidade.
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