Roubaram-me a filha
como se um ventre fosse posse,
como se o amor de uma mãe
pudesse ser dividido
como se divide o pão.
Procurei-a com olhos secos
e pés feridos,
subi aos céus e desci aos abismos,
mas ninguém respondeu,
porque os deuses não escutam
as vozes das mulheres
quando elas choram.
Então calei a seiva,
fechei os campos,
neguei frutos e colheitas,
e deixei o mundo murchar
como o meu peito vazio.
Chamaram-me cruel,
mas ninguém perguntou
o que é perder um corpo
que ainda pulsa no nosso.
Não fiz guerra,
fiz silêncio
e no silêncio,
ensinei que o amor tem força
para parar a vida,
e recomeçá-la.
Hoje, ainda me rezam por colheitas,
mas que saibam:
não dou nada
que não venha do ventre da perda.
Sou Deméter
e cada flor que nasce
é uma lembrança
do que me foi tirado
e que, mesmo assim,
escolhi deixar voltar à luz.
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