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quinta-feira, 10 de julho de 2025

Deméter, a que grita por dentro da terra / J.M.J.

Roubaram-me a filha

como se um ventre fosse posse,

como se o amor de uma mãe

pudesse ser dividido

como se divide o pão.

 

Procurei-a com olhos secos

e pés feridos,

subi aos céus e desci aos abismos,

mas ninguém respondeu,

porque os deuses não escutam

as vozes das mulheres

quando elas choram.

 

Então calei a seiva,

fechei os campos,

neguei frutos e colheitas,

e deixei o mundo murchar

como o meu peito vazio.

 

Chamaram-me cruel,

mas ninguém perguntou

o que é perder um corpo

que ainda pulsa no nosso.

 

Não fiz guerra,

fiz silêncio

e no silêncio,

ensinei que o amor tem força

para parar a vida,

e recomeçá-la.

 

Hoje, ainda me rezam por colheitas,

mas que saibam:

não dou nada

que não venha do ventre da perda.

 

Sou Deméter

e cada flor que nasce

é uma lembrança

do que me foi tirado

e que, mesmo assim,

escolhi deixar voltar à luz.

 

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