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sexta-feira, 11 de julho de 2025

Excesso de mundo / J.M.J.

O cansaço tem um nome,

mas ninguém o diz.

Veste um corpo que se arrasta

pela sala onde as janelas

já não se abrem.

 

Há dias em que respirar

é uma batalha silenciosa,

contra um peso que não se vê.

 

 

Foi-lhe dito que o coração

precisava de cuidados,

mas o que fazer com a alma,

essa que não aparece no TAC.

 

Há quem diga que é fraqueza,

mas ele sabe,

é excesso de mundo

a fermentar por dentro:

as urnas, os tanques,

os corpos esquecidos em desertos que não são dele,

mas que doem como se fossem.

 

Deixou de cantar,

porque a música já não cabia no peito.

Lê, mas as palavras são pedras.

Ensaia, mas o palco

é um espelho embaciado.

 

O cigarro que acende

não é vício,

é uma tentativa de

não desaparecer por completo.

 

E sente,

sem saber se é pressentimento

ou desejo surdo,

que talvez não dure muito mais.

Mas continua,

com o pouco que tem,

com a pouca fé que resta,

com a necessidade de dizer,

para não enlouquecer em silêncio.

 

Quem o vê assim

pode não perceber:

ele não quer piedade,

quer apenas que alguém

olhe para dentro do escuro

e veja que há outros como ele.

 

E que, nesse reconhecimento,

talvez

se inicie

um fio de regresso

à vida.

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