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sexta-feira, 11 de julho de 2025

O lugar onde nada falta / J.M.J.

Aqui,

onde a fome se extinguiu,

nasceu o abismo.

 

Chão limpo, paredes brancas,

água sem sede,

luz sem sombra,

e a alma começou a definhar

no excesso.

 

Já não havia rio a atravessar,

nem besta a temer,

nem abrigo a improvisar no meio da noite.

Tudo era dado

e por isso, nada era conquistado.

 

O passo ficou sem rumo,

o vínculo, redundante,

e os olhos… cessaram de procurar.

 

Não era a morte que rondava,

mas um silêncio sem travessia,

um tempo sem rasgo,

um mundo fechado sobre si.

 

Criámos um paraíso sem margens,

e esquecemos que o espírito

só floresce

onde há vento,

e corte,

e fronteira.

 

O instinto sem caminho adormece,

a abundância sem sentido pesa,

e a alma, sem luta, apaga-se.

 

Assim aprendemos:

não é o sofrimento que desejamos,

mas o fogo que nos acorda,

não é a escassez que nos eleva,

mas o risco de procurar,

e não é o fim da dor que salva,

mas o início de uma pergunta.

 

E por isso,

mesmo num paraíso fechado,

alguns ainda se lembram do céu

porque trazem dentro

a vertigem do voo.

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