Aqui,
onde a fome se extinguiu,
nasceu o abismo.
Chão limpo, paredes brancas,
água sem sede,
luz sem sombra,
e a alma começou a definhar
no excesso.
Já não havia rio a atravessar,
nem besta a temer,
nem abrigo a improvisar no meio da noite.
Tudo era dado
e por isso, nada era conquistado.
O passo ficou sem rumo,
o vínculo, redundante,
e os olhos… cessaram de procurar.
Não era a morte que rondava,
mas um silêncio sem travessia,
um tempo sem rasgo,
um mundo fechado sobre si.
Criámos um paraíso sem margens,
e esquecemos que o espírito
só floresce
onde há vento,
e corte,
e fronteira.
O instinto sem caminho adormece,
a abundância sem sentido pesa,
e a alma, sem luta, apaga-se.
Assim aprendemos:
não é o sofrimento que desejamos,
mas o fogo que nos acorda,
não é a escassez que nos eleva,
mas o risco de procurar,
e não é o fim da dor que salva,
mas o início de uma pergunta.
E por isso,
mesmo num paraíso fechado,
alguns ainda se lembram do céu
porque trazem dentro
a vertigem do voo.
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