Seguidores

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Cenário, Uma máscara caída no chão diante de um espelho / J.M.J.

Há quem aprenda a dor

como se aprende um papel.

Ensaiam o suspiro,

o gesto no peito,

a pausa que finge sentir.

 

Tiram do bolso símbolos,

com a destreza de um mágico,

que sabe onde o olhar do público

deve pousar,

não no truque,

mas na emoção fingida.

 

Falam de fraqueza

como quem vende força,

falam de fé

como quem ensina medo,

e falam do povo

sem saber quem é.

 

Alguns aplaudem,

outros choram,

poucos percebem

que é tudo ensaio

para o papel principal:

ser espelho do que mais se teme.

 

Porque às vezes, o que mais nos fere

é o que arde por dentro: abafado, disfarçado.

E ao atacar o rosto do outro,

revela-se o contorno que se teme no próprio.

A máscara cai,

não pelo cansaço do papel,

mas pelo peso da verdade encenada

e quem mais se afasta do reflexo,

mais o incorpora sem querer.

No chão,

já sem artifício,

a máscara devolve o espelho inteiro.

 

Por fim, o pano cede, 

mas no escuro já se ouve o próximo ato.

 

 

 

(Num mundo onde tantas vezes se confunde verdade com representação,

fica esta reflexão sobre os papéis que encarnamos,

e as máscaras que, mais cedo ou mais tarde, caem.

Um poema sobre identidade, espelhos e o silêncio entre atos.)

 

Sem comentários:

Enviar um comentário