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sexta-feira, 11 de julho de 2025

Mitos de Ano Novo (ou: O que não se deseja a quem morre) / J.M.J.

Nascemos para ser felizes,

dizem,

como se o mundo fosse um bolo de aniversário

e não um campo aberto

onde se tropeça na própria sombra.

 

Desejam-nos parabéns,

felicidades,

vida longa,

amor fiel,

dinheiro sempre a cair na conta

como folhas no outono.

 

Mas a quem morre

ninguém diz:

que tenhas uma boa travessia,

que encontres a tua verdade,

que possas enfim ser inteiro.

 

Fingimos que o tempo nos pertence

e que o corpo é um contrato de luz,

mas somos feitos de impulsos antigos,

de garras invisíveis,

de um código onde habita o medo

de não sermos

o que sonhámos.

 

Talvez desejemos felicidade

como quem lança moedas a um poço,

sabendo, no fundo,

que a água não responde,

mas sonhando, sempre,

que haja eco.

 

E é nesse eco,

nesse ponto entre o real e o delírio,

que construímos

a ideia de sermos humanos.

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