Foi num dia sem datas,
sem bandeiras,
sem anúncio.
Apenas os sons de sempre;
o chilrear,
o ganido,
a vibração do solo molhado
de formigas em alarme,
a ganharem outro peso.
Não era magia,
nem ficção científica,
era linguagem,
estava ali desde sempre.
O olhar do cão que fica à porta,
a fuga do pássaro antes do tiro,
o mugido antes da faca,
tudo era aviso,
tudo era fala.
Nesse dia,
ficámos nus,
porque ouvimos o que não quisemos ouvir.
Não "eu amo-te",
mas:
"Dói."
"Foge."
"Pára."
"Estamos a desaparecer."
As árvores falaram
com as suas raízes trémulas,
as baleias cantaram
com mapas de dor desenhados nas ondas,
e até os ratos nos túneis
sussurraram histórias
de medo e adaptação.
A vergonha não foi imediata;
primeiro veio a recusa,
depois o espanto,
e só então,
a escuta.
Agora,
quando um corvo pousa e fita,
já não se pensa superstição,
pensa-se mensagem,
intercâmbio.
Ficámos mais pequenos,
mas mais verdadeiros,
porque não somos os únicos com voz,
apenas fomos os últimos a escutar.
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