Desde o início da humanidade, o homem carrega em si uma tensão profunda: o desejo de ser mais, de alcançar o absoluto, de tornar-se Deus. E, ao mesmo tempo, uma necessidade de se refugiar num Deus que o proteja do desconhecido, do medo, da morte.
Esta dualidade, querer ser Deus e
precisar de Deus, fundamenta a história espiritual da humanidade.
A religião judaico-cristã ensina
que o homem foi criado "à imagem e semelhança de Deus". Porém, ao
observarmos com mais cuidado, percebemos que Deus, como é descrito na Bíblia,
também foi moldado à imagem e semelhança dos homens. Deus é humano em sua
essência: vê, ouve, fala, sente ciúme, ira, amor, arrependimento. Ele tem
preferências, faz alianças e destrói aqueles que não as cumprem. Deus, tal como
o homem, busca reconhecimento, poder e obediência.
Deus não é o símbolo da perfeição
abstrata; é um ser que, tal como o homem, possui emoções intensas e instintos
de posse, uma vontade de domínio e um desejo insaciável de glória. Sua fúria
diante da traição é tão humana quanto a de qualquer tirano.
Além disso, Deus, no Antigo
Testamento, não é um Deus universal. Ele é o Deus de um povo específico, o Deus
de Israel, que protege os seus escolhidos e aniquila os seus inimigos. Promete
bênçãos e vitórias àqueles que lhe são fiéis e ameaça com castigos os que se
afastam da sua vontade.
Foi com a expansão do cristianismo,
muito após Jesus, que este Deus de um povo se tornou proclamado como Deus de
todos os homens. Antes disso, era o Deus de uma nação, de uma identidade.
A ambição de ser Deus, portanto,
está diretamente ligada à forma como o homem concebeu o próprio Deus: um ser
que governa, julga, manda, protege e castiga.
Não é por acaso que aqueles que
alcançam o poder absoluto sobre outros repetem, em escala humana, o
comportamento que a Bíblia atribui ao seu Deus: dominam, exigem obediência,
prometem proteção aos submissos e condenam os rebeldes.
E as religiões, como instituições
de poder, tornam-se ferramentas que perpetuam este ciclo. Elas utilizam o medo
do castigo e a promessa de salvação para manter os fracos sob controle,
transformando a fé em um instrumento de subjugação. As leis, tal como os dogmas
religiosos, são justificadas como necessários para a ordem e para o bem de
todos. Mas, na realidade, servem para garantir que a ordem do poder seja
mantida.
O trono de Deus e o trono dos
homens são, assim, reflexos um do outro. Ambos buscam submeter, proteger,
controlar.
Quando olhamos atentamente, não
vemos apenas que o homem é "imagem" de Deus, mas que Deus é também o
espelho da alma humana, dos seus desejos de transcendência e das suas misérias,
da sua ânsia de liberdade e da sua tentação pelo poder.
A história da humanidade é,
portanto, uma história de luta entre a busca pela liberdade e o desejo pelo
poder, entre a necessidade de proteção e o medo de ser esmagado. No centro de
tudo isso, está a figura de um Deus tão humano quanto os homens que o criaram,
e cuja presença molda as dinâmicas de poder e subordinação desde o princípio
dos tempos.
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