Ao longo da história, a relação entre o ser humano e o divino tem sido marcada por paradoxos profundos. No cristianismo, como noutras tradições religiosas, propõem-se valores como o amor incondicional, o perdão, a humildade e a renúncia ao egoísmo. Contudo, é frequente observar que muitos crentes seguem apenas as partes da doutrina que lhes são convenientes, ignorando o desafio ético e espiritual que esses ensinamentos impõem.
Cristo é invocado em momentos de
angústia, pedido como intercessor de milagres, mas o seu exemplo de vida, o
amor ao próximo, a entrega sem reservas, a compaixão por todos, é muitas vezes
esquecido no quotidiano. A fé transforma-se assim numa prática utilitária, onde
o divino é solicitado como remédio para as dificuldades, mas raramente
procurado como modelo de vida e transformação interior.
A multiplicação da devoção aos
santos, especializados nas mais diversas áreas da vida humana, saúde, trabalho,
proteção, reforça esta visão prática e fragmentada da fé. Cria-se, assim, uma
relação de expectativa, em que Deus e os santos são acionados em função das
necessidades do momento, sem que haja um verdadeiro compromisso com a
profundidade espiritual que o cristianismo propõe.
Esta incoerência revela uma
desconexão essencial: os valores fundamentais da mensagem cristã são
frequentemente substituídos por uma religiosidade superficial, moldada pelo
interesse imediato. O cristianismo, que deveria ser um caminho de profunda
transformação do ser, é muitas vezes reduzido a uma lista de pedidos e favores,
esquecendo-se que a verdadeira fé exige entrega, coerência e uma mudança
radical do coração.
No fundo, a prática religiosa
torna-se, para muitos, um reflexo dos seus próprios medos e desejos, mais do
que uma busca genuína pela verdade e pelo bem. A fé, quando reduzida a este
nível de conveniência, perde a sua capacidade de elevar o ser humano para além
de si mesmo, aprisionando-o, antes, nas suas próprias carências.
O desafio permanece: reencontrar,
no meio da incoerência, o sentido original da fé, não como instrumento de
troca, mas como caminho de libertação e autenticidade.
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