Quando o corpo afunda
não é fim,
é oferenda.
A baleia, senhora do azul profundo,
não morre:
transfigura-se.
Desce como prece sem palavras,
devagar,
entregando-se à noite marinha,
onde os olhos da luz não alcançam.
Ali,
onde o silêncio é antigo,
o seu corpo canta de outra forma;
vira casa,
vira pão,
vira cosmos em decomposição sagrada.
Mil vidas nascem do seu repouso,
mil bocas se alimentam do seu adeus,
e no seu coração gigante
a Terra ainda respira.
Leva consigo o carbono do mundo,
como quem guarda o peso dos céus
nas entranhas de um templo.
E mesmo já sem pulso,
continua a proteger-nos.
Durante a vida,
cantou sem língua
mas com alma,
ensinou as marés a lembrar,
os filhos a esperar,
os que ficaram a não esquecer.
Monstros, disseram,
mas eram mães,
eram deuses submersos,
mestres do ritmo lento
daquilo que importa.
E como elas, há gente assim,
que parte
mas nunca nos deixa,
que mergulha,
mas ainda aquece,
que se vai,
mas nos faz nascer
outra vez.
Tu também podes ser baleia;
ser abrigo,
ser legado,
ser silêncio fértil
no fundo de alguém.
Sem comentários:
Enviar um comentário