Seguidores

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Legado de Baleia / J.M.J.

Quando o corpo afunda

não é fim,

é oferenda.

 

A baleia, senhora do azul profundo,

não morre:

transfigura-se.

 

Desce como prece sem palavras,

devagar,

entregando-se à noite marinha,

onde os olhos da luz não alcançam.

 

Ali,

onde o silêncio é antigo,

o seu corpo canta de outra forma;

vira casa,

vira pão,

vira cosmos em decomposição sagrada.

 

Mil vidas nascem do seu repouso,

mil bocas se alimentam do seu adeus,

e no seu coração gigante

a Terra ainda respira.

 

Leva consigo o carbono do mundo,

como quem guarda o peso dos céus

nas entranhas de um templo.

 

E mesmo já sem pulso,

continua a proteger-nos.

 

Durante a vida,

cantou sem língua

mas com alma,

ensinou as marés a lembrar,

os filhos a esperar,

os que ficaram a não esquecer.

 

Monstros, disseram,

mas eram mães,

eram deuses submersos,

mestres do ritmo lento

daquilo que importa.

 

E como elas, há gente assim,

que parte

mas nunca nos deixa,

que mergulha,

mas ainda aquece,

que se vai,

mas nos faz nascer

outra vez.

 

Tu também podes ser baleia;

ser abrigo,

ser legado,

ser silêncio fértil

no fundo de alguém.

Sem comentários:

Enviar um comentário