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quarta-feira, 16 de julho de 2025

Língua de Asas / J.M.J.

No coração verde da Bacia do Orinoco,

quando o mundo já calara um povo,

restava um papagaio,

de penas antigas

e voz encantada.

 

Falava no vazio

palavras que ninguém entendia,

não eram ecos de homem,

mas sopros de ausentes,

sussurros de almas queimadas no esquecimento.

 

Atures, dizia o vento,

e o pássaro respondia,

como quem sonha no idioma da infância

e acorda sempre no fim de uma era.

 

Não foi o guerreiro,

nem o padre,

nem o conquistador

que guardou a língua,

foi a ave.

 

Um guardião de penas,

último poeta de um vocabulário condenado,

entoando sílabas

que já não pediam pão,

mas lembrança.

 

Humboldt escutou

e escreveu

quarenta sementes sonoras

antes que o tempo as devorasse de vez,

como quem colhe fogo

na boca de um rio.

 

A ave morreu,

mas a língua não.

Não toda.

Alguma parte de mundo ficou,

na escrita,

na memória,

na lenda.

 

E hoje,

cada palavra esquecida

pode renascer no bico de um milagre

se houver quem a escute

e quem a ame.

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