“Os que esperam, esperam de pé,
não porque estejam fortes,
mas porque ainda não foram completamente esquecidos.”
Anónimo da fila
Fila Única
Não se vê a fila,
mas está lá,
contorna os centros de emprego,
sobe ruas estreitas onde não entra assistência,
dorme encostada às portas do Estado.
É uma fila sem senha,
onde o tempo não é contado em minutos,
mas em meses de espera,
em anos de promessas por cumprir.
Na frente vai um homem
que já esqueceu o som do telefone a tocar,
nas mãos carrega fotocópias de si mesmo
e um número de processo que ninguém atende.
Atrás, uma mulher com três sacos e dois filhos
aprendeu a arte de adormecer com fome
sem que os filhos percebam
que o arroz de ontem foi só água quente.
A meio da fila,
um idoso com sapatos rasgados
repete: “Mandaram-me esperar em casa.”
mas a casa caiu
e ninguém voltou para o avisar.
É tudo legal, tudo protocolado,
mas a vida
escorre por entre carimbos
e despachos que não sabem o que é não ter tempo.
Não há prioridade para a dor,
nem urgência para a dignidade,
a fila é única,
mas o abandono é personalizado.
No fim,
a esperança virou estatística
e a fome
um dado pendente no sistema.
(A todos os que esperam no escuro por respostas que não vêm.
A quem vive nos intervalos do sistema,
onde a dignidade é suspensa com carimbos e silêncio.)
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