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sexta-feira, 18 de julho de 2025

A Jaula Invisível – Três poemas sobre o medo herdado / J.M.J.

Introdução:

 Este conjunto de três poemas nasce a partir de uma velha metáfora conhecida como a história dos cinco macacos — um experimento imaginário que revela como o medo, quando não é compreendido, transforma-se em cultura, em regra, em prisão invisível.

 Vivemos muitas vezes sob normas que ninguém questiona, obedecemos a hábitos cujo castigo original já desapareceu, mas que continuam a moldar os nossos comportamentos. Herdamos o medo dos outros como se fosse sabedoria, chamamos tradição àquilo que foi apenas trauma repetido, e fechamos a porta do pensamento antes mesmo de tentar abri-la.

 Estes poemas, A Jaula Sem Água, Ignorância Sagrada e O Quebrador de Regras, são uma caminhada poética pela consciência dessa herança inconsciente. Um convite à lucidez, à desobediência criadora, à coragem de subir mesmo quando todos dizem que não se pode.

 É um gesto simples, mas essencial:

tocar na banana

e descobrir que a água já não cai.

 

 

 

 

A Jaula Sem Água

 

Um cacho de sol pendia

no alto da promessa,

um fruto que ninguém colhia,

não por falta de vontade,

mas porque, diziam,

"não se pode".

 

O primeiro que ousou subir

viu o mundo inteiro castigar-se,

chuva gelada sobre os outros,

não sobre si.

E o grupo aprendeu:

quem sonha, molha o resto.

 

Depois vieram outros,

com olhos limpos e peles secas,

mas os braços antigos

ensinaram a lição:

"NÃO!"

 

E ninguém mais subiu,

nem sabiam já o que era a água,

mas o medo...

esse, sabiam de cor.

Era um eco vestido de conselho,

era zelo em forma de zanga,

era o peso de um costume

que ninguém se lembrava de ter escolhido.

 

Cada geração mais afastada da dor

era mais fiel à regra,

como se o esquecimento do motivo

fosse prova de que é assim

por ser assim.

 

E o cacho continuava lá,

maduro, sem dono,

símbolo do que nos foi negado

antes mesmo de tentarmos.

 

Talvez um dia um novo macaco

não se detenha ante os gritos

e suba,

e leve consigo o peso de todos.

Talvez a água já tenha secado,

e o que resta seja apenas

a memória do medo,

sem fonte,

sem verdade,

sem razão.

 

 

 

 

Ignorância Sagrada

 

Já não há jacto,

já não há frio,

já não há castigo,

mas todos se encolhem

à sombra do mito.

 

O trauma foi há muito,

mas o hábito ficou

como lenda intocável

esculpida em gestos.

 

O que começou em dor

terminou em doutrina

e agora chamam-lhe

“sabedoria antiga”

aquilo que é só medo velho

com roupa nova.

 

Os olhos mais velhos

guardam a fúria

como herança nobre:

"Assim nos ensinaram,

e assim deve ser."

 

Os mais novos

aprendem a dobrar a espinha

sem nunca saber porquê,

aprendem a calar-se

não por respeito,

mas por contágio.

 

Ignorância sagrada:

ninguém sabe de onde veio,

mas todos juram por ela.

 

E o que era defesa

vira moral,

o que era trauma

vira tradição,

o que era jaula

vira casa.

 

Quem ousa perguntar

é tido por louco,

quem ousa subir

é tido por traidor,

quem ousa pensar

é tido por perigoso.

 

Mas a água já não cai,

o botão está desligado.

A punição já não mora ali,

só o receio de que volte,

e a fé cega no "não se faz".

 

 

 

 

O Quebrador de Regras

 

Veio sem medo,

ou talvez com ele ao colo,

mas sem deixá-lo mandar.

Olhou o cacho

como quem olha

o óbvio esquecido,

e não se curvou

perante os sussurros herdados.

 

"Não se faz", diziam

os que nunca tentaram,

"Não se pode", gritavam

os que só sabiam repetir.

 

Mas ele subiu,

não com raiva,

nem para provar nada,

subiu

porque algo em si

se recusava a rastejar.

 

As patas antigas

tentaram puxá-lo,

os olhares pesaram

como pedras velhas,

mas o passo dele era outro,

não buscava permissão.

 

E quando tocou a banana,

o céu não caiu,

a água não veio,

os deuses não se zangaram.

 

Só o silêncio,

um silêncio pesado,

cheio de perguntas.

 

Alguns fugiram,

outros rosnaram,

mas um, só um,

levantou-se.

 

E então outro

e outro,

até que a jaula

ficou pequena demais

para tanto despertar.

 

Não era herói,

não era líder,

não era nada,

apenas alguém

que recusou

viver segundo o medo dos outros.

 

E por isso,

fez o impossível:

mostrou que era possível.

 

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