Introdução:
tocar na banana
e descobrir que a água já não cai.
A Jaula Sem Água
Um cacho de sol pendia
no alto da promessa,
um fruto que ninguém colhia,
não por falta de vontade,
mas porque, diziam,
"não se pode".
O primeiro que ousou subir
viu o mundo inteiro castigar-se,
chuva gelada sobre os outros,
não sobre si.
E o grupo aprendeu:
quem sonha, molha o resto.
Depois vieram outros,
com olhos limpos e peles secas,
mas os braços antigos
ensinaram a lição:
"NÃO!"
E ninguém mais subiu,
nem sabiam já o que era a água,
mas o medo...
esse, sabiam de cor.
Era um eco vestido de conselho,
era zelo em forma de zanga,
era o peso de um costume
que ninguém se lembrava de ter escolhido.
Cada geração mais afastada da dor
era mais fiel à regra,
como se o esquecimento do motivo
fosse prova de que é assim
por ser assim.
E o cacho continuava lá,
maduro, sem dono,
símbolo do que nos foi negado
antes mesmo de tentarmos.
Talvez um dia um novo macaco
não se detenha ante os gritos
e suba,
e leve consigo o peso de todos.
Talvez a água já tenha secado,
e o que resta seja apenas
a memória do medo,
sem fonte,
sem verdade,
sem razão.
Ignorância Sagrada
Já não há jacto,
já não há frio,
já não há castigo,
mas todos se encolhem
à sombra do mito.
O trauma foi há muito,
mas o hábito ficou
como lenda intocável
esculpida em gestos.
O que começou em dor
terminou em doutrina
e agora chamam-lhe
“sabedoria antiga”
aquilo que é só medo velho
com roupa nova.
Os olhos mais velhos
guardam a fúria
como herança nobre:
"Assim nos ensinaram,
e assim deve ser."
Os mais novos
aprendem a dobrar a espinha
sem nunca saber porquê,
aprendem a calar-se
não por respeito,
mas por contágio.
Ignorância sagrada:
ninguém sabe de onde veio,
mas todos juram por ela.
E o que era defesa
vira moral,
o que era trauma
vira tradição,
o que era jaula
vira casa.
Quem ousa perguntar
é tido por louco,
quem ousa subir
é tido por traidor,
quem ousa pensar
é tido por perigoso.
Mas a água já não cai,
o botão está desligado.
A punição já não mora ali,
só o receio de que volte,
e a fé cega no "não se faz".
O Quebrador de Regras
Veio sem medo,
ou talvez com ele ao colo,
mas sem deixá-lo mandar.
Olhou o cacho
como quem olha
o óbvio esquecido,
e não se curvou
perante os sussurros herdados.
"Não se faz", diziam
os que nunca tentaram,
"Não se pode", gritavam
os que só sabiam repetir.
Mas ele subiu,
não com raiva,
nem para provar nada,
subiu
porque algo em si
se recusava a rastejar.
As patas antigas
tentaram puxá-lo,
os olhares pesaram
como pedras velhas,
mas o passo dele era outro,
não buscava permissão.
E quando tocou a banana,
o céu não caiu,
a água não veio,
os deuses não se zangaram.
Só o silêncio,
um silêncio pesado,
cheio de perguntas.
Alguns fugiram,
outros rosnaram,
mas um, só um,
levantou-se.
E então outro
e outro,
até que a jaula
ficou pequena demais
para tanto despertar.
Não era herói,
não era líder,
não era nada,
apenas alguém
que recusou
viver segundo o medo dos outros.
E por isso,
fez o impossível:
mostrou que era possível.
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