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sexta-feira, 18 de julho de 2025

Casa por Atribuir / J.M.J.

Esperou sentada no degrau,

com o filho a dormir-lhe no colo,

a carta que nunca chegou

vinha de mãos que não sabiam o seu nome.

 

Deixou passar o prazo,

não por desleixo,

mas porque há dias em que escolher

entre comparecer ou cuidar

é crime de maternidade.

 

Numa casa sem chão

vive um velho com olhos de pedra

e um neto de olhos maiores que o prato.

Esperam há seis invernos

um tecto prometido por papéis com carimbo.

 

As paredes ainda em obra

receberam primeiro o frio

do que os corpos que vinham com frio dentro.

O contrato dizia habitar,

mas habitava-se o abandono.

 

Há fossas onde deviam correr águas claras,

furos de desespero

onde o Estado não escava,

porque ali

não mora ninguém que vote.

 

Esperar é o verbo mais conjugado

na boca de quem tem fome.

Esperar sem urgência

é só uma forma lenta de morrer.

 

E dizem que há sistema,

mas não vê,

e dizem que há apoio,

mas não toca,

e dizem que há justiça,

mas não chega.

 

Só chega o eco das promessas

e o silêncio bem administrado,

onde a pobreza

não desencadeia alarme,

só rotina.

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