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domingo, 3 de agosto de 2025

O Viajante do Gelo / J.M.J.

Dormia antes do bronze,

da palavra,

da pedra saber que era templo.

 

Nas entranhas geladas do mundo,

uma semente sem flor nem memória

esperava, sem pedir tempo.

 

Nem sonhava.

Sabia apenas ser silêncio

em suspensão perfeita,

entre o nada e o talvez.

 

Quarenta e seis mil invernos

sem se mover um gesto,

dar por extintos os tigres,

saber que os homens viriam

para queimar o que resta.

 

Mas veio o degelo,

não como dilúvio,

mas como respiração,

e o calor, o toque

fez pulsar de novo o que era pó.

 

Moveu-se

devagar,

como quem acorda de um sonho de Deus

e procura nos próprios contornos

a razão de ainda estar aqui.

 

Diz-se que é minhoca,

mas é mais do que isso:

é uma pergunta,

um eco reanimado,

a prova de que há coisas

que nem o tempo consegue matar.

 

Talvez os glaciares tenham boca,

e esta seja uma das vozes

a dizer-nos:

“nem tudo está morto, apenas à espera”.

 

E se há vida que hiberna milénios,

então há dor, há luz, há sabedoria

à espera também,

 

e espera o humano em ti

pelo degelo certo.

 

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