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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Textos Esquecidos ou Excluídos

Estes poemas foram inspirados nos livros deuterocanónicos e apócrifos do Antigo Testamento, textos que, por diferentes razões históricas, foram esquecidos ou excluídos de algumas tradições religiosas.

Eles refletem a fé, a resistência, a sabedoria e a coragem que atravessam o tempo, oferecendo uma visão poética e espiritual de histórias muitas vezes esquecidas, mas profundamente humanas e universais.



O Livro de Enoque

 

Havia um tempo em que os céus se inclinavam à terra,

quando os Vigilantes desceram, vestidos de luz,

e ensinaram aos homens o que não lhes era dado saber:

o metal oculto no ventre da pedra,

as ervas que curam e envenenam,

as estrelas que medem o destino.

 

Mas o saber não veio puro:

veio com o peso do desejo.

Anjos se deitaram com mulheres,

gerando gigantes que caminhavam

como montanhas vivas,

devorando tudo o que era humano.

 

A terra gemeu sob o peso do excesso,

o sangue alastrou-se como rio,

e o céu, outrora aberto, fechou-se em ira.

Vieram as águas do dilúvio,

não apenas para apagar os homens,

mas para silenciar o eco dos que ousaram

tocar no segredo dos deuses.

 

Enoque caminhou com Deus,

viu as engrenagens ocultas do cosmos,

as moradas dos anjos,

os abismos reservados aos rebeldes,

e escreveu o que vira em páginas de fogo.

 

Mas os homens decidiram esquecer,

decidiram calar sua voz,

porque o livro falava de mundos demais,

de mistérios que não se prendem em dogmas,

e a verdade, demasiado vasta,

assusta os que querem reinar sobre a fé.

 

E assim, o Livro de Enoque

foi deixado à margem,

como se os segredos não dissessem respeito

à fome da alma.

Mas ainda hoje, quem lê suas linhas

ouve o passo pesado dos gigantes,

o sussurro dos anjos caídos,

e a advertência terrível:

que o conhecimento pode ser bênção,

mas também ruína.

 

 

 

O Livro dos Jubileus

 

No princípio o tempo era vasto, sem fronteiras,

como um rio sem margens, correndo no silêncio do Éden.

Mas Deus marcou as estações,

gravou nos céus os sinais,

e disse aos anjos:

"Guardem os ciclos,

para que o homem saiba

que a vida é medida em jubileus."

 

Quarenta e nove anos são um suspiro divino,

um compasso onde a criação respira.

Cada jubileu sela uma aliança,

renova a promessa,

recorda a queda,

aponta de novo para a montanha da Lei.

 

O Livro dos Jubileus reconta os inícios,

mas não como memória de homens,

e sim como cronologia dos céus.

Adão e Eva,

Caim e Abel,

Noé e o dilúvio,

Abraão e sua prova:

tudo visto não com olhos mortais,

mas com a contagem secreta

das tábuas de fogo que os anjos guardam.

 

E neste relato, o mundo não é acaso:

cada nascimento tem hora marcada,

cada gesto cumpre um desígnio,

cada lágrima cai dentro de um calendário eterno.

 

Mas os homens esqueceram os jubileus.

Perderam o compasso do céu,

trocaram os ciclos da criação

por calendários de impérios e de reis.

E assim se desviaram da harmonia,

escravizando-se ao tempo que consome,

em vez do tempo que liberta.

 

O Livro dos Jubileus foi posto de lado,

porque lembrava que a história não pertence ao trono,

mas às mãos invisíveis do Altíssimo.

Lembrava que a Lei não é invenção de homens,

mas respiração do próprio cosmos.

 

E ainda hoje, se abrirmos suas páginas,

ouviremos o pulsar secreto do universo:

o coração do tempo,

marcado não por relógios,

mas pelo sopro do Eterno

que repete, jubileu após jubileu:

"Recorda, homem,

que não és senhor do tempo,

apenas hóspede do instante."

 

 

 

O Livro de Tobias

 

No exílio da Assíria,

quando a fé parecia cinza,

viveu Tobit, justo e esquecido,

que sepultava os mortos com as próprias mãos,

mesmo quando a lei dos homens proibia

a piedade mais simples.

 

Era cego, não por falta de luz,

mas porque o mundo o havia ferido.

Ainda assim, suas orações subiam como incenso,

e os céus, que não esquecem,

enviaram resposta.

 

Tobias, seu filho, partiu em viagem.

Não ia só.

Um jovem caminhava ao seu lado,

e seus olhos não viam que era um anjo.

Chamava-se Rafael,

o mensageiro que cura,

o guardião escondido na figura de um amigo.

 

No caminho, o rio trouxe perigo:

um peixe monstruoso saltou das águas.

Mas o que parecia ameaça

tornou-se remédio,

pois nas entranhas do animal

escondia-se o bálsamo da cura,

a medicina da providência.

 

E assim Tobias encontrou Sara,

jovem atormentada por um demónio invisível,

sete vezes roubada do amor,

sete vezes viúva antes do amanhecer.

Mas naquela noite, guiado por Rafael,

Tobias elevou sua oração,

e o anjo acorrentou o espírito sombrio.

Sara, enfim, foi esposa,

e a bênção do céu repousou sobre o lar.

 

De volta, Tobias trouxe consigo a cura:

o remédio do peixe

que restaurou a visão de seu pai.

E Tobit viu novamente a luz,

não apenas do sol,

mas da fidelidade de Deus

que nunca abandona os que esperam.

 

O Livro de Tobias ensina em silêncio:

que o exílio não apaga a justiça,

que os anjos caminham entre nós

sob máscaras de estranhos,

que até os monstros do caminho

podem esconder remédios,

e que a fé, sustentada pela bondade,

faz florescer esperança onde havia cinzas.

 

Esquecido por alguns, rejeitado por outros,

o livro ainda murmura sua verdade:

a vida é viagem,

e cada passo pode ser guiado por um anjo

que só os olhos da confiança reconhecem.

 

 

 

O Livro de Judite

 

Quando as muralhas tremiam

e os guerreiros de Israel

já não tinham voz para a esperança,

ergueu-se Judite,

viúva vestida de cinza,

mas com fogo escondido no olhar.

 

Não era espada que trazia,

nem exército atrás de si,

mas oração nos lábios,

e a coragem silenciosa

de quem confia no Altíssimo.

 

Entrou no acampamento inimigo

com perfume e beleza,

como se fosse frágil,

como se fosse rendida.

Mas era raio disfarçado,

era chama em corpo de mulher.

 

Holofernes, o soberbo,

encheu-se de vinho e vaidade.

Não sabia que sua derrota

já estava escrita

no fio da espada

que Judite segurava sem tremer.

 

Na tenda, a noite foi juízo:

com um só golpe,

a cabeça do opressor caiu,

e o terror que pesava sobre Israel

desfez-se como sombra ao amanhecer.

 

Quando voltou à cidade,

com a vitória nas mãos,

não pediu trono,

não quis louvores,

mas ergueu hinos ao Deus que liberta

pelas mãos que ninguém espera.

 

Judite é memória e aviso:

a força não mora só nas lanças,

nem o poder se mede em muralhas.

A fé, quando se une à ousadia,

derruba gigantes,

e faz de uma viúva esquecida

a salvadora de um povo.

 

Esquecido por alguns,

o livro de Judite ainda brilha como farol:

um cântico contra o medo,

um lembrete de que a liberdade

nasce quando alguém se levanta

com coragem maior que o silêncio.

 

 

 

O Livro da Sabedoria

 

Antes que houvesse tronos ou reinos,

antes que as estrelas se acendessem

como sentinelas do céu,

a Sabedoria já caminhava

ao lado do Criador,

compasso secreto da sua obra.

 

Não é ouro, não é coroa,

não é poder que se impõe,

mas sopro que sussurra

ao ouvido dos que buscam:

“anda pelo caminho reto,

não temas a noite dos ímpios,

pois a luz não se apaga em ti.”

 

A Sabedoria não se compra,

não se mede em moedas,

não se entrega a reis soberbos

nem se curva à arrogância dos fortes.

Ela é irmã da justiça,

amiga da verdade,

e repousa apenas

onde o coração se abre ao eterno.

 

Os insensatos riem do invisível,

confundem força com destino,

acreditam que a morte é silêncio.

Mas a Sabedoria ergue-se

como vento sobre o deserto:

revela que os justos não se perdem,

que suas almas são sementes

plantadas no seio de Deus.

 

Quem a encontra, encontra vida.

Quem a escuta, não teme exílio,

nem espadas, nem prisões.

Porque a Sabedoria é chama que não consome,

é ponte entre a terra e o alto,

é promessa de eternidade

gravada nos ossos do tempo.

 

Oh, Sabedoria,

tu que atravessas os séculos

como um rio secreto,

senta-te ao lado dos que ainda sonham

um mundo sem grilhões,

um povo sem tiranos.

 

Ensina-nos que ser livre

é mais do que romper correntes:

é caminhar com olhos limpos,

é erguer-se contra o poder cego,

é guardar no silêncio do peito

a certeza de que a justiça não morre.

 

E mesmo esquecida por muitos,

o teu livro permanece como cântico

contra a soberba dos reis,

contra a vaidade dos impérios.

 

Porque quem tem a Sabedoria

já participa da eternidade,

e não há morte que o possa calar.

 

 

 

O Livro do Eclesiástico

 

Ouvi, filhos da poeira,

a voz do sábio que não fala por glória,

mas pelo peso dos dias.

 

Ele diz:

“A vida é breve como sopro,

o homem cresce como erva,

e logo se curva ao vento da morte.

Não busques vaidade,

porque ela é sombra sobre sombra.

Não sigas o orgulho,

porque ele arruína os justos

e endurece o coração dos reis.”

 

O Eclesiástico ensina que a riqueza

não salva da tristeza,

nem a glória do mundo

escapa à mão do tempo.

Mas a palavra justa,

dita com verdade,

permanece como raiz no deserto

e fonte em terra seca.

 

Fala-nos da amizade fiel:

tesouro escondido,

ouro que não se compra,

irmão que se levanta

quando o mundo desaba.

 

Fala-nos do respeito pelos pais,

das lágrimas que purificam,

do trabalho que dignifica,

do silêncio que protege

da insensatez das multidões.

 

E lembra-nos:

“Não invejes o pecador,

nem sigas os passos do tirano.

Porque a espada deles é curta,

e a sua vitória é pó levado pelo vento.”

 

No seu rolo de sabedoria,

o Eclesiástico escreve também

sobre o mistério dos tempos:

a morte do ímpio é esquecimento,

mas a memória do justo

vive nas pedras,

vive nos filhos,

vive no coração de Deus.

 

E se a alma treme de medo,

ele diz:

“Entrega o teu fardo ao Altíssimo,

e confia-lhe o segredo da tua dor.

Pois Ele cuida como mãe

e vigia como sentinela na noite.”

 

Não há nele utopia dourada,

nem sonhos de império.

Há o simples pulsar da vida,

feito de dias claros e dias escuros,

de quedas e recomeços,

de humildade que ergue

e soberba que derruba.

 

O Eclesiástico é como uma árvore antiga:

suas raízes estão na Lei,

seus ramos estendem-se à eternidade.

Quem nele se senta à sombra

aprende que a verdadeira sabedoria

não está em saber tudo,

mas em caminhar reto,

mesmo quando o caminho é estreito.

 

 

 

Os Livros dos Macabeus

 

Quando os altares foram profanados,

e a Lei foi rasgada como pergaminho ao vento,

levantaram-se homens simples,

não coroados de ouro,

mas de fogo e fé.

 

Matatias e seus filhos

ergueram a chama contra impérios,

e o nome “Macabeu”

soou como trovão nos vales.

 

Não eram muitos,

mas traziam na fronte

a coragem dos que preferem a morte

a renegar o Deus dos pais.

 

As espadas gregas cintilavam,

mas as orações dos justos

valiam mais que exércitos.

Nas colinas, nas cavernas,

entre pedras e desertos,

eles guardaram a chama da Aliança.

 

E muitos tombaram.

Mães entregaram os filhos à morte,

não por crueldade,

mas por fidelidade à eternidade.

Homens foram despedaçados,

mas o seu sangue tornou-se semente,

escrevendo na terra:

“Melhor morrer fiel,

do que viver como escravo da mentira.”

 

O templo foi purificado,

o altar reconstruído,

e a luz voltou a brilhar,

um óleo pequeno,

uma chama que não se apagou,

mesmo quando parecia impossível.

 

Isto é o Hanukkah:

memória da luz que vence as trevas,

da fé que vence os impérios,

da resistência que não esquece

o nome do Deus vivo.

 

E os livros contam:

não é só guerra de homens,

é batalha da alma,

é o eterno confronto

entre a arrogância do poder

e a humildade da fé.

 

Nos Macabeus,

vemos o preço da liberdade:

dor, sangue, lágrimas —

mas também a esperança

de que a fidelidade não morre,

e que cada geração terá seus rebeldes santos,

que se levantam quando os deuses falsos

tentam calar a Verdade.

 

 

 

A Carta de Jeremias

 

Ó povo, ouvi a voz que atravessa o tempo,

não a voz dos reis nem dos altares de ouro,

mas a voz que lembra:

os ídolos que ergues com mãos trêmulas

não são deuses,

são apenas madeira, pedra e sombra.

 

Eles não falam, não veem, não ouvem;

não podem salvar,

não podem punir,

não podem caminhar ao teu lado nas trevas.

 

Mas vós, que adorais o que não tem vida,

ergueis altares de vaidade,

entrais em templos de mentira,

e chamais de deus aquilo que não respira.

 

O verdadeiro Deus, que fez o céu e a terra,

que conhece o sopro secreto de cada ser,

observa-te com olhos que nada esquecem.

Ele não exige ouro nem incenso,

apenas o coração sincero,

a mão estendida ao justo,

a alma que se levanta mesmo entre quedas.

 

A Carta diz:

"Afasta-te da ilusão que brilha como ouro,

porque todo brilho falso cega o homem.

Não sigas a voz do artificioso,

mas a do eterno, que dá vida e não se cansa.

Os ídolos feitos de pedra

só lembram o que és capaz de criar

quando te esqueces do verdadeiro Deus."

 

E assim, mesmo esquecida entre pergaminhos antigos,

a Carta de Jeremias permanece como sussurro:

um alerta contra a cegueira da vaidade,

uma mão invisível que aponta para a luz,

um convite para erguer o coração

onde nada falso pode habitar.

 

 

 

Adições ao Livro de Daniel

 

 

Cântico dos Três Jovens

 

No forno ardente da injustiça,

três jovens caminharam sem medo.

Não porque não sentissem o fogo,

mas porque sabiam que a presença divina

não se curva à tirania humana.

 

“Bendito sejas, ó Deus de nossos pais!”

cantavam, e as chamas, como mãos invisíveis,

não tocaram a sua carne.

O que parecia destruição se tornou cântico,

e a verdade resplandeceu sobre o erro dos poderosos.

 

Eles não dobraram a cabeça,

não venderam a alma ao medo.

E no eco de sua coragem,

aprendemos que a fé verdadeira

não é silêncio passivo,

mas coragem silenciosa,

luz que brilha em meio às brasas.

 

 

Susana

 

Susana caminhava no jardim,

injustiçada pelos olhares de homens que confundiam poder com justiça.

Acusada falsamente, condenada quase à morte,

ela ergueu a voz da inocência.

 

E o Senhor enviou sua sabedoria,

na forma de um jovem, Daniel,

que não empunhou espada,

mas a razão clara do direito e da verdade.

 

A inocência triunfou sobre a calúnia,

e Susana viu que a justiça do Altíssimo

é mais firme que todos os tribunais da terra.

O livro lembra:

quem caminha em retidão,

mesmo entre falsidade e traição,

encontra alívio nas mãos de Deus.

 

 

Bel e o Dragão

 

Bel era idolatrado, mas suas mãos eram vazias,

seus olhos de pedra não podiam ver.

O dragão era temido,

mas engano e superstição não têm vida própria.

 

Daniel mostrou, com astúcia e fé,

que apenas o Deus verdadeiro domina o mundo,

que os ídolos são sombras que se desfazem

quando confrontados com luz e verdade.

 

Não é guerra de músculos,

mas de discernimento,

não é triunfo da espada,

mas da coragem que reconhece

o eterno no meio do efêmero.

 

 

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