Querem coroar o mercador de espelhos
com a láurea que pertence aos que choram em campo
aberto,
aos que semeiam paz com mãos nuas
no meio da escuridão.
Querem chamar paz ao negócio da guerra,
ao pacto assinado sobre o medo,
à chantagem diplomática com perfume de poder.
Mas a paz não é um contrato,
é uma travessia de alma.
Ele, que se gaba de muros e sanções,
de ter os números na mão e o mundo de joelhos,
que escolhe aliados por conveniência
e faz da mentira o seu idioma de Estado.
Ele, que encobre o genocídio com slogans,
que chama criminoso a quem luta por justiça
e chama mártir ao que manda matar.
Ele, que nunca soube o nome da empatia,
nem ouviu o grito de uma mãe palestiniana
ou o silêncio de uma criança bombardeada.
Não,
a paz não se escreve em manchetes,
nem se fotografa com apertos de mão
em tapetes vermelhos.
A paz é o que se cala quando se pactua com a opressão,
é o que arde em cada casa destruída,
é o que se perde quando se premia um impostor.
Se o prémio for dado ao arquiteto do ruído,
então que rasguem os nomes de Mandela,
de Luther King, de Anwar el-Sadat,
e que escrevam em letras cinzentas:
a verdade morreu por conveniência.
Mas enquanto houver um só poema que resista,
uma só voz que se recuse a mentir,
a paz não será propriedade de nenhum império
nem medalha no peito de um farsante.
Será chama viva
na consciência dos justos
e espada invisível
no coração dos que não se rendem.
(Este poema nasce da perplexidade e da indignação
perante a possibilidade de Donald Trump vir a ser considerado para o Prémio
Nobel da Paz. Uma ideia que fere não apenas a memória dos que verdadeiramente
lutaram pela paz com coragem, sacrifício e compaixão, mas também compromete a
integridade simbólica de uma distinção que deveria elevar os valores humanos
mais nobres.
Trump não é um pacificador. A sua retórica alimenta
divisões, o seu legado político está marcado por alianças oportunistas, por
agressividade comercial, por apoio incondicional a regimes opressores e por uma
profunda ausência de empatia. A sua recusa em defender os direitos humanos, a
sua interferência ideológica nos assuntos de outras nações e a sua
instrumentalização da justiça tornam-o um símbolo do oposto da paz: o símbolo
da imposição, da vaidade e do poder sem consciência.
Este poema é uma recusa. Uma recusa poética, mas
firme, de aceitar que a paz possa ser manipulada ao serviço de interesses
políticos ou mediáticos. É um grito silencioso pelos que não têm voz, um
tributo aos que, muitas vezes longe dos holofotes, constroem diariamente a
possibilidade de um mundo mais justo, mais livre e mais compassivo.
Enquanto houver palavra, haverá resistência.
E enquanto houver resistência, a paz não será
propriedade de impostores.)
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