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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

O Silêncio Que Não Consente / J.M.J.

Querem coroar o mercador de espelhos

com a láurea que pertence aos que choram em campo aberto,

aos que semeiam paz com mãos nuas

no meio da escuridão.

 

Querem chamar paz ao negócio da guerra,

ao pacto assinado sobre o medo,

à chantagem diplomática com perfume de poder.

Mas a paz não é um contrato,

é uma travessia de alma.

 

Ele, que se gaba de muros e sanções,

de ter os números na mão e o mundo de joelhos,

que escolhe aliados por conveniência

e faz da mentira o seu idioma de Estado.

 

Ele, que encobre o genocídio com slogans,

que chama criminoso a quem luta por justiça

e chama mártir ao que manda matar.

Ele, que nunca soube o nome da empatia,

nem ouviu o grito de uma mãe palestiniana

ou o silêncio de uma criança bombardeada.

 

Não,

a paz não se escreve em manchetes,

nem se fotografa com apertos de mão

em tapetes vermelhos.

 

A paz é o que se cala quando se pactua com a opressão,

é o que arde em cada casa destruída,

é o que se perde quando se premia um impostor.

 

Se o prémio for dado ao arquiteto do ruído,

então que rasguem os nomes de Mandela,

de Luther King, de Anwar el-Sadat,

e que escrevam em letras cinzentas:

a verdade morreu por conveniência.

 

Mas enquanto houver um só poema que resista,

uma só voz que se recuse a mentir,

a paz não será propriedade de nenhum império

nem medalha no peito de um farsante.

 

Será chama viva

na consciência dos justos

e espada invisível

no coração dos que não se rendem.

 

 

 

(Este poema nasce da perplexidade e da indignação perante a possibilidade de Donald Trump vir a ser considerado para o Prémio Nobel da Paz. Uma ideia que fere não apenas a memória dos que verdadeiramente lutaram pela paz com coragem, sacrifício e compaixão, mas também compromete a integridade simbólica de uma distinção que deveria elevar os valores humanos mais nobres.

Trump não é um pacificador. A sua retórica alimenta divisões, o seu legado político está marcado por alianças oportunistas, por agressividade comercial, por apoio incondicional a regimes opressores e por uma profunda ausência de empatia. A sua recusa em defender os direitos humanos, a sua interferência ideológica nos assuntos de outras nações e a sua instrumentalização da justiça tornam-o um símbolo do oposto da paz: o símbolo da imposição, da vaidade e do poder sem consciência.

Este poema é uma recusa. Uma recusa poética, mas firme, de aceitar que a paz possa ser manipulada ao serviço de interesses políticos ou mediáticos. É um grito silencioso pelos que não têm voz, um tributo aos que, muitas vezes longe dos holofotes, constroem diariamente a possibilidade de um mundo mais justo, mais livre e mais compassivo.

Enquanto houver palavra, haverá resistência.

E enquanto houver resistência, a paz não será propriedade de impostores.)

 

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