Diz-me, ó legislador do pudor,
com que parte do teu corpo julgas o desejo dos outros?
Com o fígado inchado de vergonha antiga?
Com a boca seca de nunca teres dito "amor"
sem engolir a palavra?
És doutor em quê?
Em crucificar o instinto?
Em negar ao corpo a linguagem que ele próprio inventou?
Sabes o que é crescer com vergonha do espelho,
ou viver num corpo que os teus manuais não reconhecem?
Sabes o que é sentir culpa por existir,
porque a tua lei só permite um tipo de silêncio?
Nunca te vi numa escola a ouvir,
só nos palcos a berrar,
nem a cuidar de uma alma ferida,
só a amputar a verdade com tesouras ideológicas.
Mas tu achas-te guardião da moral,
um moralista sem moral,
que fala da família como se fosse uma vitrina
onde não entra nem pó, nem lágrima, nem pele.
Fazes da sexualidade um espantalho,
mas o teu armário está cheio de fantasmas:
o toque que recusaste,
o grito que abafaste,
o desejo que amaldiçoaste ao domingo
e procuraste às escondidas à segunda.
Tu legislas o que não entendes,
impões silêncio onde devias ouvir gritos,
chamas ideologia ao que é experiência
e verdade à tua própria cegueira.
Mas há corpos que já não se calam,
que sabem dançar com cicatrizes,
que amam de dentro para fora
e não precisam da tua permissão para respirar.
Porque o amor,
esse que tu nunca tiveste coragem de viver por inteiro,
é mais antigo do que o teu medo
e mais livre do que a tua lei.
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