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domingo, 3 de agosto de 2025

A Origem Pulsante / J.M.J.

Antes de sermos nome,

antes de sermos corpo ou palavra,

éramos fusão.

 

Uma célula perdida

no silêncio húmido do tempo

acolheu o estranho.

 

Não devorou,

não destruiu,

abriu espaço.

 

E ali,

na penumbra de uma membrana,

começou o fogo.

 

Uma bactéria,

livre, errante, solitária,

ofereceu energia.

 

Em troca de abrigo,

fez-se casa dentro da casa,

como se dissesse:

«Vivo em ti, se me deixares ser.»

 

E assim nasceu o ritmo,

a combustão invisível

que ainda hoje nos move.

 

As mitocôndrias,

essas avós sem rosto,

que queimam oxigénio e memória

em cada célula nossa,

 

trazem consigo a história

de quando a vida decidiu confiar,

de quando o medo cedeu à aliança.

 

E o que podia ter sido fim

foi princípio,

expansão,

e canto.

 

Nós

somos esse pacto que perdura,

descendentes da aceitação,

da inteligência que se curva

para incluir o outro.

 

Há mais sabedoria numa célula

do que em mil impérios.

 

O cosmos lembrou-nos ali,

na aurora da carne:

evoluir

é abrir-se,

e não dominar.

 

 

(Este poema inspira-se no processo evolutivo da endossimbiose, a aliança primitiva entre uma célula ancestral e uma bactéria que deu origem às mitocôndrias, estruturas vitais que ainda hoje fornecem energia a cada célula dos nossos corpos. Através desta fusão inesperada, a vida deu um salto de complexidade e cooperação. O poema celebra esse gesto inaugural de confiança, como metáfora para uma sabedoria mais profunda: a verdadeira evolução acontece quando abrimos espaço para o outro dentro de nós.)

 

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