Antes do nome
e da palavra,
já havia uma história
a correr no sangue.
Não vinha apenas
do código
que a ciência sabia ler,
mas de sinais escondidos
nas entranhas da matéria,
como se o corpo guardasse
segredos que nem ele compreende.
Há marcas que não se escrevem em letras,
mas em gestos repetidos
por gerações
que nunca se viram.
Há medos herdados
que não nasceram connosco,
e coragens que vieram
de alguém que sobreviveu,
para que nós pudéssemos respirar hoje.
Talvez o amor também se herde assim,
como se fosse um idioma silencioso,
transmitido no toque,
na forma como olhamos o horizonte,
ou como pousamos a mão
sobre o ombro
de quem sofre.
Somos feitos de tempos
que não vivemos,
de rostos que não conhecemos,
de escolhas que não lembramos fazer.
E mesmo assim,
a vida continua a coser-nos
uns aos outros,
fio após fio,
num tecido
que não se rasga.
(Este poema nasceu da notícia recente sobre a descoberta de uma nova via de
herança genética, para além do DNA e do RNA, através de proteínas amiloides. A
revelação de que a vida guarda memórias e informações por caminhos até agora
invisíveis é, para mim, mais do que um avanço científico, é uma metáfora
poderosa para a forma como carregamos histórias, emoções e marcas que não
sabemos explicar.
Quis escrever sobre essa dimensão invisível da hereditariedade, que vai
para além do biológico e entra no território do humano e do simbólico. Somos
feitos não apenas do que herdamos nos genes, mas também dos gestos, silêncios,
medos e coragens que nos atravessam.
Assim, este poema é um convite a reconhecer que a vida é tecida por fios
que não vemos, mas que nos ligam, inevitavelmente, a quem veio antes de nós.)
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