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segunda-feira, 11 de agosto de 2025

A Memória Que Não Sabíamos Ter

Antes do nome

e da palavra,

já havia uma história

a correr no sangue.

 

Não vinha apenas

do código

que a ciência sabia ler,

mas de sinais escondidos

nas entranhas da matéria,

 

como se o corpo guardasse

segredos que nem ele compreende.

 

Há marcas que não se escrevem em letras,

mas em gestos repetidos

por gerações

que nunca se viram.

 

Há medos herdados

que não nasceram connosco,

e coragens que vieram

de alguém que sobreviveu,

para que nós pudéssemos respirar hoje.

 

Talvez o amor também se herde assim,

como se fosse um idioma silencioso,

transmitido no toque,

na forma como olhamos o horizonte,

ou como pousamos a mão

sobre o ombro

de quem sofre.

 

Somos feitos de tempos

que não vivemos,

de rostos que não conhecemos,

de escolhas que não lembramos fazer.

 

E mesmo assim,

a vida continua a coser-nos

uns aos outros,

fio após fio,

num tecido

que não se rasga.

 

 

 

 

(Este poema nasceu da notícia recente sobre a descoberta de uma nova via de herança genética, para além do DNA e do RNA, através de proteínas amiloides. A revelação de que a vida guarda memórias e informações por caminhos até agora invisíveis é, para mim, mais do que um avanço científico, é uma metáfora poderosa para a forma como carregamos histórias, emoções e marcas que não sabemos explicar.

Quis escrever sobre essa dimensão invisível da hereditariedade, que vai para além do biológico e entra no território do humano e do simbólico. Somos feitos não apenas do que herdamos nos genes, mas também dos gestos, silêncios, medos e coragens que nos atravessam.

Assim, este poema é um convite a reconhecer que a vida é tecida por fios que não vemos, mas que nos ligam, inevitavelmente, a quem veio antes de nós.)

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