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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Em Nome de Nenhum Deus

Dizes-te rabino,

mas és só garganta cheia de veneno,

boca sem alma,

verme erguido sobre o altar.

 

Pediste a fome para as crianças de Gaza

como quem pede sal no prato,

e invoca pragas,

não por desespero,

mas por gosto.

 

Mas quem és tu para vestir a luz dos profetas?

Quem te ungiu com o óleo da justiça?

Com que direito pronuncias o nome de Javé,

enquanto cavas covas de silêncio para os inocentes?

 

O Deus que ama no silêncio

não pede a morte dos filhos dos outros.

Os que ouvem vozes de sangue

não ouvem Deus,

ouvem apenas o eco do seu próprio horror.

 

Chamas-lhes terroristas por nascerem em escombros,

por chorarem sem leite,

por não terem nomes que saibas pronunciar.

Mas és tu o sem nome,

o que vendeu a alma por um púlpito,

o que trocou a Torá por um grito de ódio

com palmas.

 

Rabi,

o teu talit está manchado,

as franjas da tua fé

arrastam-se na lama dos genocidas.

 

Dizes que és mestre.

De quê?

Do esquecimento?

Do desvio?

Da traição à própria condição humana?

 

Um verdadeiro mestre

chora pelas crianças de todos os lados,

não escolhe a que corpo Deus pertence,

não se cala,

mas também nunca diz

“que morram de fome”.

 

Não falas por Deus,

falas contra Ele.

 

E por isso este poema se escreve,

não para ti;

não há ressurreição para a tua palavra.

Escreve-se

para os que ainda hesitam,

para os que confundem fé com fanatismo,

para os que, vendo crime, calam,

porque vem vestido de oração.

 

Escreve-se

para que o céu saiba

que nem todos os homens esqueceram

o que é

ser

homem.

 

 

 

(Este poema nasceu como resposta directa a declarações públicas de um rabino israelita que defendeu, sem pudor, que as crianças palestinianas de Gaza deviam morrer à fome, insinuando que, de qualquer forma, se tornariam terroristas.

Estas palavras não são um desvio acidental, nem fruto de desespero. São uma expressão consciente de ódio, proferidas com cálculo e convicção por alguém com estatuto de mestre espiritual. E é precisamente esse contraste, entre o lugar de autoridade moral que ocupa e a brutalidade do seu discurso, que torna esta figura ainda mais perigosa.

O poema visa expor, sem rodeios, a gravidade de se usar um púlpito, uma veste sagrada ou um título religioso para justificar a destruição de vidas humanas. Não há aqui intenção de criar polémica gratuita nem de atacar a fé de ninguém. Mas há, sim, uma recusa firme em aceitar que o silêncio se mantenha perante este tipo de declarações.

Um homem que deseja a fome de crianças não representa nenhuma espiritualidade, nenhuma tradição digna. Representa apenas o colapso da empatia, da razão e da humanidade.

Este texto não é uma provocação. É um aviso.

Quando um mestre espiritual legitima a crueldade, o mal já não precisa de máscaras.)

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