Dizes-te rabino,
mas és só garganta cheia de veneno,
boca sem alma,
verme erguido sobre o altar.
Pediste a fome para as crianças de Gaza
como quem pede sal no prato,
e invoca pragas,
não por desespero,
mas por gosto.
Mas quem és tu para vestir a luz dos profetas?
Quem te ungiu com o óleo da justiça?
Com que direito pronuncias o nome de Javé,
enquanto cavas covas de silêncio para os inocentes?
O Deus que ama no silêncio
não pede a morte dos filhos dos outros.
Os que ouvem vozes de sangue
não ouvem Deus,
ouvem apenas o eco do seu próprio horror.
Chamas-lhes terroristas por nascerem em escombros,
por chorarem sem leite,
por não terem nomes que saibas pronunciar.
Mas és tu o sem nome,
o que vendeu a alma por um púlpito,
o que trocou a Torá por um grito de ódio
com palmas.
Rabi,
o teu talit está manchado,
as franjas da tua fé
arrastam-se na lama dos genocidas.
Dizes que és mestre.
De quê?
Do esquecimento?
Do desvio?
Da traição à própria condição humana?
Um verdadeiro mestre
chora pelas crianças de todos os lados,
não escolhe a que corpo Deus pertence,
não se cala,
mas também nunca diz
“que morram de fome”.
Não falas por Deus,
falas contra Ele.
E por isso este poema se escreve,
não para ti;
não há ressurreição para a tua palavra.
Escreve-se
para os que ainda hesitam,
para os que confundem fé com fanatismo,
para os que, vendo crime, calam,
porque vem vestido de oração.
Escreve-se
para que o céu saiba
que nem todos os homens esqueceram
o que é
ser
homem.
(Este poema nasceu como resposta directa a declarações
públicas de um rabino israelita que defendeu, sem pudor, que as crianças
palestinianas de Gaza deviam morrer à fome, insinuando que, de qualquer forma,
se tornariam terroristas.
Estas palavras não são um desvio acidental, nem fruto
de desespero. São uma expressão consciente de ódio, proferidas com cálculo e
convicção por alguém com estatuto de mestre espiritual. E é precisamente esse
contraste, entre o lugar de autoridade moral que ocupa e a brutalidade do seu
discurso, que torna esta figura ainda mais perigosa.
O poema visa expor, sem rodeios, a gravidade de se
usar um púlpito, uma veste sagrada ou um título religioso para justificar a
destruição de vidas humanas. Não há aqui intenção de criar polémica gratuita
nem de atacar a fé de ninguém. Mas há, sim, uma recusa firme em aceitar que o
silêncio se mantenha perante este tipo de declarações.
Um homem que deseja a fome de crianças não representa
nenhuma espiritualidade, nenhuma tradição digna. Representa apenas o colapso da
empatia, da razão e da humanidade.
Este texto não é uma provocação. É um aviso.
Quando um mestre espiritual legitima a crueldade, o
mal já não precisa de máscaras.)
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