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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Sopro Humano

Não falo de um eu isolado

mas do que pulsa em todos

que buscam e despertam

entre a sombra e a luz do mundo

 

Escuto o humano e o divino

num mesmo sopro

testemunho do que nasce e morre

nos corações nas mãos na terra nas estrelas

 

Não confesso apenas escuto

não relato apenas ecoa

o que a consciência reconhece

quando o mundo se cala e a verdade se pronuncia

 

Palavras que não me pertencem

atravessam aqueles que já sentiram

a solidão do despertar

a coragem de amar sem concessões

o impulso de conhecer sem limites

 

Aqui reside a poesia

no instante em que o humano se lembra do cosmos

e o cosmos devolve o sopro ao humano

 

Guardião do Saber

Na terra onde o primeiro sol tinge de ouro templos e ruas,

há quem não se dobre diante de imperadores.

O professor caminha ereto,

pois carrega mundos na memória,

e cada palavra sua é ponte

entre o que já foi e o que ainda poderá ser.

 

Sem quem ensina, ninguém governa;

sem quem desperta, ninguém entende.

O saber é mais antigo que o trono,

mais profundo que a coroa.

 

E assim, num gesto silencioso,

o professor lembra ao mundo inteiro

que a verdadeira autoridade nasce

da luz que acende em cada mente.

 

 

 

(Este poema foi inspirado numa tradição japonesa que honra o professor como guardião do saber: numa terra onde não há professores, não há imperadores. Ele celebra a autoridade silenciosa do conhecimento e a importância de quem desperta mentes para a verdade e a luz do mundo.)

Quando o Silêncio Fala

Há palavras que, mesmo ditas em silêncio

ou quase sem esforço, carregam mundos inteiros dentro delas.

 

O vento escuta o que não dizemos,

e o mundo se aquieta, respirando connosco.

 

As palavras deixam de ser procura,

tornam-se respiração,

chaves que abrem portas invisíveis

onde o sentido se revela em fragmentos soltos,

como luz que atravessa a manhã.

 

Entre um gesto e outro

existe um instante em que tudo se entende,

não pela razão,

mas pelo repouso do coração.

 

A alma floresce quando o silêncio fala,

quando cada sopro escuta o outro,

e o que foi dito encontra o seu lugar.

 

As palavras seguem o seu caminho,

sabem onde pousar,

levando consigo universos

que não precisam ser explicados,

apenas sentidos.

A Terra que Recorda

Antes que os mapas fossem traçados,

a Terra já sabia o nome das estrelas,

os rios falavam com os homens,

as montanhas guardavam conselhos,

e o tempo era uma espiral de fogo e vento.

 

Vieram depois os que chamaram descoberta

ao gesto de rasgar o silêncio,

levando ouro, línguas, deuses,

e deixando cicatrizes nos nomes antigos.

 

Mas nada se perde na respiração do mundo,

as pedras ainda cantam,

as sementes ainda recordam,

e há olhos que, ao mirar o céu,

reencontram os passos dos primeiros astrónomos.

 

Não é o passado que nos chama,

é o que fomos e ainda somos,

pedindo para ser lembrado,

antes que o último canto da floresta

seja também esquecido.

Sementes de Liberdade

Nos caminhos da história,

ideias tornaram-se vínculos,

vínculos que moldam mãos e corações,

limitando o voo do pensamento.

 

Um homem ergueu uma palavra,

uma chama capaz de iluminar o mundo

e ainda assim,

o mundo construiu barreiras

ao redor dessa luz,

transformando-a em dogma,

em lei,

em fronteira.

 

Religiões nasceram,

cresceram,

alimentando medos,

certezas impostas,

marcando o que é certo,

o que é errado,

silenciando o olhar

que ousa questionar.

 

No meio de tudo,

o ser humano continua a caminhar,

procurando a verdade

entre textos,

tradições,

sombras.

 

Mas a sabedoria não se prende,

não se dobra,

não se cala,

vive nos olhos que observam,

no coração que sente,

na mente que ousa pensar livre.

 

Cada palavra escrita é um sopro,

cada gesto de curiosidade é resistência

e quem busca a verdade

semeia liberdade

onde o mundo tentou erguer limites.

O Cristo Invisível

Antes do tempo, já existia a chama,

a consciência que dorme nas estrelas.

Desceu à matéria como sopro,

para lembrar à argila o que é o eterno.

 

Não nasceu de ventre apenas,

mas do encontro entre céu e terra,

onde o espírito se lembra de si

no instante em que respira um corpo.

 

Caminhou entre sombras humanas,

falando do Reino que não se vê,

não o dos céus distantes,

mas o que pulsa por dentro das veias do ser.

 

Foi crucificado em todos nós,

nas vezes em que negámos o amor,

e ressuscitou em cada perdão

que soube romper o ciclo do sofrimento.

 

Porque o Cristo não é um nome,

nem pertence a uma só história,

é o sol secreto dentro do Homem,

que insiste em nascer, mesmo na noite.

 

 

 

(Este poema homenageia o Cristo arquetípico e universal, símbolo do despertar da consciência divina no ser humano. Mais do que figura histórica, ele representa a luz solar e interior, presente em mitos antigos de Horus, Osíris, Mitra e tantos outros, que renasce, em cada época, com um novo nome e um mesmo propósito: recordar-nos quem somos.)

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Sopro dos Nomes Antigos (fragmento de uma memória antes do tempo)

Antes de haver fronteiras,

o divino tinha muitos nomes.

 

Isa ergueu-se da água;

teceu corpo à memória.

 

Rá abriu o horizonte;

sol que acorda o pó e o espírito.

 

El soprou sobre o silêncio;

raízes do que ainda respira em nós.

 

E quando os nomes se tocaram,

um novo eco nasceu:

 

Israel.

 

Não tribo,

nem sangue,

mas lembrança do encontro.

 

O tempo vestiu o nome com muralhas,

fez dele bandeira e limite.

 

E o vento esqueceu-se de cantar

os nomes que o criaram.

 

Mas sob cada pedra dorme ainda

a deusa, o sol, o sopro,

 

e quem escuta com o coração

pode ouvi-los sussurrar:

 

Nada do que é divino

nasce de um só nome.

 

 

 

(Este poema foi inspirado nas raízes linguísticas e mitológicas do nome Israel, este poema evoca a fusão simbólica dos antigos deuses Isa, Rá e El, vestígios de um sincretismo primordial que antecede as tradições tribais e religiosas que moldaram a história.)

Entre o Agora e o Amanhã

Fazemos planos como quem constrói casas no vento,

traçamos rotas em mapas que se dissolvem ao amanhecer

e chamamos “futuro” a um nome que o tempo ainda não pronunciou.

 

Mas o dia, este, que respira agora,

é o único chão que não nos foge,

pois tudo o resto é horizonte, promessa que se dispersa por entre nuvens.

 

Nada nos pertence, e ainda assim tudo nos é oferecido.

O sol não promete voltar, mas regressa sem contrato, sem garantia,

apenas porque a vida insiste em recomeçar.

 

Entre o que temo perder e o que ainda não chegou,

há um intervalo sagrado: o agora,

e é nele que a esperança se constrói,

apenas com o sopro de quem acredita.

 

Não sou dono do amanhã, mas sou herdeiro do presente,

e ele basta-me.

 

Onde há respiração, há recomeço;

onde há um coração que persiste,

há sempre um futuro a nascer, silencioso, mas certo.

 

O instante suspende o tempo entre o que ficou e o que ainda se desenha.

 

Ser dono do presente não é limitar-se,

é reconhecer que a vida se revela nas pequenas certezas;

o café que arrefece, a luz que se deita,

o coração que bate, a respiração que confirma: estou aqui.

 

E nesse espaço, entre medo e confiança, entre perda e recomeço,

descubro que somos simultaneamente frágeis e eternos.

A esperança não exige posse,

e a lucidez floresce onde se aprende a confiar

no invisível que sempre sustenta o visível.

 

 

 

(Este poema foi inspirado no pensamento de Sêneca, sobre a brevidade da vida e a impossibilidade de controlar o futuro.)

 

O Valor do Presente

Não são feitos grandes que salvam,

mas a presença, simples, constante,

a atenção que se oferece

mesmo quando ninguém observa.

 

Ser humano é isso:

estar onde se pode,

aqui e agora,

plantando cuidado

no chão que pisamos juntos.

Luz Partilhada

A luz não diminui

quando é dividida.

 

Quando se dá atenção,

quando se olhas de verdade,

uma faísca desperta

no coração do outro.

 

E essa luz, pequena, mas real,

ilumina caminhos que pareciam perdidos.