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quarta-feira, 9 de julho de 2025

Medeia, a que queimou a esperança / J.M.J.

Fui mulher antes de ser feiticeira,

fui amante antes de ser mãe

e fui estrangeira,

sempre estrangeira,

no país que prometia amor

mas me deu silêncio e escárnio.

 

Amei com a força que atravessa mares,

traí o meu sangue,

abandonei a terra natal,

entreguei segredos,

fiz de mim ponte e lâmina

para o triunfo de outro.

 

Tudo dei a Jasão;

dei-lhe poder,

dei-lhe filhos,

dei-lhe o futuro.

Mas o futuro, ingrato,

não devolveu o mesmo.

 

Fui descartada como um feitiço usado,

como se o meu valor

morasse apenas na utilidade

E então ergui-me,

não como bruxa,

mas como mulher ferida,

que sabe o preço de ser apagada.

 

A minha vingança não foi justa,

foi abismo,

mas foi minha

E, no gesto extremo,

tornei-me mais do que vítima:

tornei-me lenda,

na dor que não cala,

no grito que não perdoa,

na escolha impossível

que nenhum homem

ousaria compreender.

 

Eu, Medeia,

sou o espelho de tudo o que se rejeita

numa mulher:

fúria, intelecto,

magia e desobediência

e ainda hoje ardo

no lugar onde se julga

quem ama demais

e, depois, é deixada só.

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