Fui mulher antes de ser feiticeira,
fui amante antes de ser mãe
e fui estrangeira,
sempre estrangeira,
no país que prometia amor
mas me deu silêncio e escárnio.
Amei com a força que atravessa
mares,
traí o meu sangue,
abandonei a terra natal,
entreguei segredos,
fiz de mim ponte e lâmina
para o triunfo de outro.
Tudo dei a Jasão;
dei-lhe poder,
dei-lhe filhos,
dei-lhe o futuro.
Mas o futuro, ingrato,
não devolveu o mesmo.
Fui descartada como um feitiço
usado,
como se o meu valor
morasse apenas na utilidade
E então ergui-me,
não como bruxa,
mas como mulher ferida,
que sabe o preço de ser apagada.
A minha vingança não foi justa,
foi abismo,
mas foi minha
E, no gesto extremo,
tornei-me mais do que vítima:
tornei-me lenda,
na dor que não cala,
no grito que não perdoa,
na escolha impossível
que nenhum homem
ousaria compreender.
Eu, Medeia,
sou o espelho de tudo o que se
rejeita
numa mulher:
fúria, intelecto,
magia e desobediência
e ainda hoje ardo
no lugar onde se julga
quem ama demais
e, depois, é deixada só.
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