Não tenho templo nem altar,
o meu ritual é o instante em que o mundo me atravessa:
o som de uma porta, o murmúrio da água,
um olhar perdido na multidão,
e aí começa o poema.
Não escrevo para ensinar nem para salvar,
escrevo para permanecer vivo;
cada palavra é um fio lançado à superfície
quando o abismo me chama pelo nome.
O invisível fala-me, sim,
mas já aprendi: ele não é voz estranha,
é o eco da minha própria alma
a lembrar-me que ainda respiro.
Não quero pureza, quero presença,
não busco o divino nas alturas,
mas na falha, na ferida, no gesto que hesita.
A luz não é ausência de sombra,
é a ternura que nasce quando a aceito.
Escrevo em movimento,
entre ruas, comboios, rostos que não voltam;
o mundo é o meu caderno,
e cada respiração, uma linha invisível.
Não preciso preparar o corpo para escrever;
ele já está pronto desde o primeiro suspiro.
Basta escutar,
e o poema vem como quem regressa a casa.
Se um dia me perguntarem o que procuro,
responderei:
procuro o silêncio onde as palavras nascem,
e a coragem de lhes dar nome.
Porque escrever é lembrar-me
que ainda há algo em mim
que não desistiu da luz.
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