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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O Poeta em Escuta

Não tenho templo nem altar,

o meu ritual é o instante em que o mundo me atravessa:

o som de uma porta, o murmúrio da água,

um olhar perdido na multidão,

e aí começa o poema.

 

Não escrevo para ensinar nem para salvar,

escrevo para permanecer vivo;

cada palavra é um fio lançado à superfície

quando o abismo me chama pelo nome.

 

O invisível fala-me, sim,

mas já aprendi: ele não é voz estranha,

é o eco da minha própria alma

a lembrar-me que ainda respiro.

 

Não quero pureza, quero presença,

não busco o divino nas alturas,

mas na falha, na ferida, no gesto que hesita.

A luz não é ausência de sombra,

é a ternura que nasce quando a aceito.

 

Escrevo em movimento,

entre ruas, comboios, rostos que não voltam;

o mundo é o meu caderno,

e cada respiração, uma linha invisível.

 

Não preciso preparar o corpo para escrever;

ele já está pronto desde o primeiro suspiro.

Basta escutar,

e o poema vem como quem regressa a casa.

 

Se um dia me perguntarem o que procuro,

responderei:

procuro o silêncio onde as palavras nascem,

e a coragem de lhes dar nome.

 

Porque escrever é lembrar-me

que ainda há algo em mim

que não desistiu da luz.

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