Não é o número de chegadas
que ameaça o país,
é o silêncio onde se esconde
a miséria que os recebe.
Homens amontoados como carga
dormem sobre chão frio,
em barracas improvisadas
por quem lhes vendeu o sonho
com recibo falso.
Chamam-lhes invasores,
mas são mãos que apanham fruta,
corpos que seguram paredes,
almas que aguentam a tempestade
sem fazer barulho.
Enquanto o Estado endurece fronteiras,
não endurece os castigos
para quem lucra com a escravidão moderna.
Fazem leis com rosto fechado,
dizem que protegem a casa,
mas esquecem que a casa arde
quando se ignora a dignidade
de quem nela entra.
É fácil legislar contra os invisíveis,
difícil é ver quem os usa como mercadoria,
difícil é ter coragem
para enfrentar as redes que os escravizam
dentro das nossas cidades.
Portugal não precisa de menos estrangeiros,
precisa de mais vergonha
por aceitar viver
do suor dos que cala
e tratar gente
como sombra.
Negam o direito de trazer um filho,
de chamar a mulher ao seu lado,
como se amar fosse um privilégio
e não a mais simples âncora no exílio,
como se querer alguém por perto
fosse um risco para a nação.
E quando a xenofobia se pinta de bom senso,
quando o populismo se mascara de ordem,
a justiça perde a fala
e a dignidade perde o chão.
A humanidade é despejada
sem contestação,
com selo e carimbo
e a promessa de que será melhor assim.
Mas não será,
não enquanto for mais simples expulsar
do que proteger,
mais rápido prender
do que escutar.
Difícil é olhar alguém nos olhos
e admitir que fomos nós
que lhe tirámos o direito
de respirar com esperança.
Sem comentários:
Enviar um comentário